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segunda-feira, julho 17, 2006

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segunda-feira, junho 12, 2006

Jan Hus - Cem Anos ante da Reforma

Jan Hus


Cem anos antes da Reforma

Enquanto John Wycliffe enfrentava as autoridades da Igreja na Inglaterra, na distante Boêmia (que na época estava ligada ao Império Alemão, mas hoje é parte da República Tcheca), estava se formando um movimento reformador muito semelhante ao que ele propunha. Neste pequeno país, uma reforma na igreja era muito necessária, pois a compra e venda de cargos eclesiásticos, a corrupção moral e a pompa entre os clérigos eram muito comuns.

Jan Hus nasceu em cerca de 1372, de uma família camponesa pobre, que vivia na pequena aldeia de Husinek, no sul da Boêmia, e ingressou na Universidade de Praga quando tinha uns dezessete anos, em 1398, juntando-se ao corpo docente da Faculdade de Letras, como professor, fazendo os votos de sacerdote um pouco depois, em 1400. Durante estes anos, Hus experimentou uma conversão evangélica, embora não sejam claros seus detalhes. Sua escolha de uma vocação sacerdotal tinha sido motivada, em grande medida, pelo desejo de prestígio, segurança financeira e convivência na sociedade acadêmica. Como resultado de sua conversão, ele adotou um estilo mais simples de vida e manifestou mais interesse por seu crescimento espiritual.

Em 1402 Hus foi nomeado reitor e pregador da Capela de Belém, em Praga. Esta capela (que comportava três mil pessoas!) havia sido fundada em 1392 por um
clérigo rico, Jan Milic, que havia renunciado ao luxo e ao prestígio, para se tornar um pregador pobre e “pai da reforma tcheca”. Com dedicação, Hus pregou ali a reforma eclesiástica e nacional que tantos outros tchecos queriam desde os tempos do imperador Carlos IV (falecido em 1378). Seus sermões atacavam os abusos dos clérigos, especialmente a imoralidade e a luxúria. A própria decoração da Capela de Belém era uma ilustração de seus ensinos. As paredes da capela não estavam decoradas com representações espetaculares de milagres, mas tinham pinturas contrastando o comportamento dos papas e de Cristo. Por exemplo, o papa andava a cavalo, enquanto Jesus andava a pé, e Jesus lavava os pés dos discípulos enquanto os pés dos papas eram beijados. Muitos clérigos entenderam corretamente que seu estilo de vida estava sendo questionado. Para ajudar seus ouvintes a ler as Escrituras, Hus também revisou uma tradução tcheca da Bíblia. Incentivou também o cântico de hinos congregacionais, sendo que ele mesmo escreveu muitos deles. Sua eloqüência e fervor eram tamanhos que aquela capela em pouco tempo se transformou no centro do movimento reformador.

O imperador Venceslau IV (1378-1419) e sua esposa Sofia escolheram Hus como seu confessor, e lhe deram apoio. Por outro lado, alguns membros mais destacados da hierarquia começaram a encará-lo com receio, mas boa parte do povo e da nobreza parecia segui-lo, e o apoio dos reis ainda era importante para que os clérigos não se atrevessem a tomar medidas contra ele. No mesmo ano que passou a ocupar o púlpito da Capela de Belém, Hus foi empossado como reitor da Universidade de Praga, de modo que se encontrava em ótima posição para impulsionar a reforma. Ao mesmo tempo em que pregava contra os abusos que havia na Igreja, ele continuava sustentando as doutrinas geralmente aceitas, e nem mesmo seus piores inimigos se atreviam a censurar sua vida ou sua ortodoxia. Diferente de Wycliffe, Hus era um homem extremamente gentil, e contava com grande apoio popular.


A influência das obras de Wycliffe

O conflito começou nos círculos universitários. Começaram a chegar a Praga as obras de John Wycliffe. Um discípulo de Hus, Jerônimo de Praga, passou algum tempo na Inglaterra, estudando na Universidade de Oxford, e trouxe consigo algumas das obras do reformador inglês. Hus parece ter lido estas obras com interesse e entusiasmo, tendo-as copiado à mão, pois nesta época a imprensa ainda não havia sido inventada. Mas Hus nunca se tornou um discípulo de Wycliffe – outros teólogos tchecos anteriores, como Mateus de Janov, também exerceram influência no desenvolvimento teológico de Hus. Os interesses do inglês não eram os mesmos de Hus, que não se preocupava tanto com as questões doutrinárias, mas sim com uma reforma nas práticas da igreja. Sua teologia era uma mistura de doutrinas evangélicas e católico-romanas tradicionais. Ele particularmente nunca esteve de acordo com o que Wycliffe tinha dito sobre a presença de Cristo na ceia, e continuou defendendo uma posição muito semelhante à transubstanciação, apesar de sustentar que tanto o vinho quanto o pão deviam ser oferecidos ao povo na Ceia do Senhor.

Na universidade, entretanto, as obras de Wycliffe eram discutidas. Os alemães se opunham a elas por uma longa série de razões técnicas e filosóficas, mas em seu intento de ganhar a batalha, tentaram dirigir o debate para as doutrinas mais controvertidas de Wycliffe, no propósito de provar que ele era herege, e que por isto suas obras deveriam ser proibidas. Hus e seus companheiros logo se viram na difícil situação de ter de defender as obras de um autor com cujas idéias eles não estavam completamente de acordo. Repetidamente, os tchecos declararam que não estavam defendendo as doutrinas de Wycliffe, mas sim o direito de ler suas obras. Diversos integrantes da hierarquia da Igreja, que eram alvo de ataques de Hus e de seus seguidores, e que viam nos ensinos do teólogo inglês uma ameaça à sua posição, se reuniram ao grupo dos alemães.

Esta era a época em que, em resultado do concílio de Pisa, chegaram a haver três papas. Venceslau IV apoiava o papa Alexandre V, enquanto o arcebispo de Praga, Zbyneck, e os alemães da universidade, apoiavam Gregório XII. Os alemães acabaram se retirando da Universidade de Praga, indo para a cidade de Leipzig, onde fundaram uma universidade rival, declarando que a de Praga se entregara à heresia.

Mais tarde, o arcebispo se submeteu à vontade do rei e reconheceu como papa Alexandre V. Mas se vingou de Hus e dos seus amigos, solicitando a este papa que fosse proibida a posse das obras de Wycliffe. O papa concordou e proibiu também as pregações fora das catedrais, dos mosteiros ou das igrejas paroquiais. Como o púlpito de Hus, na Capela de Belém, não se enquadrava nestas determinações, o golpe era claramente dirigido contra ele. A Universidade de Praga protestou. Mas Hus tinha agora de fazer a difícil escolha entre desobedecer ao papa ou deixar de pregar. Com o passar do tempo, sua consciência se impôs. Ele subiu ao púlpito e continuou pregando a tão ansiada reforma da Igreja. Este foi seu primeiro ato de desobediência, e a ele se seguiram muitos outros, pois quando em 1410 foi convocado para ir a Roma, para dar conta de suas pregações e ensino, ele se negou a ir, e em conseqüência, ele foi excomungado, em nome do papa, pelo cardeal Colonna, em 1411. Mas, apesar disto, Hus continuou pregando e ensinando, pois contava com o apoio dos reis e de boa parte do país.


Uma questão de autoridade

Assim Hus chegou a um dos pontos mais revolucionários da sua doutrina. Em seu entendimento, um papa indigno, que se opunha ao bem-estar da Igreja, não deveria ser obedecido. Hus não estava dizendo que o papa não era legítimo, pois continuava favorável a Alexandre V. Mas, mesmo assim, o papa não merecia ser obedecido. Em suas palavras, “por isto, nem o papa é a cabeça, nem são os cardeais o corpo da igreja santa, católica e universal. Porque somente Cristo é a cabeça e seus predestinados o corpo, e cada membro um membro deste corpo”. Até aqui, Hus não estava dizendo mais do que diziam os líderes do movimento conciliar, que buscavam também uma reforma, onde a autoridade do papa fosse transferida para um concílio. A diferença estava em que estes se ocupavam principalmente da questão jurídica de como decidir entre vários papas rivais e buscavam a solução deste problema nas leis e nas tradições da igreja, enquanto Hus declarava que a autoridade final é a Escritura, e que um papa que não se conformar a ela não deve ser obedecido. Em seu livro Sobre a Igreja ele disse que “uma coisa é ser da igreja, outra coisa é estar na igreja. Claramente não se segue que todas as pessoas vivas que estão na igreja são da igreja. Pelo contrário, nós sabemos que o joio cresce entre o trigo, o corvo come da mesma eira que o pombo, e a palha é colhida junto com os grãos. Alguns estão na igreja de nome e em realidade – tais como católicos predestinados obedientes a Cristo. Alguns não estão nem de nome nem em realidade na Igreja – tais como os pagãos depravados. Outros estão na igreja apenas em nome – tais como, por exemplo, os hipócritas depravados. Ainda outros estão na igreja em realidade e, embora eles pareçam estar em nome fora dela, são cristãos predestinados – tais como aqueles que são vistos ser condenados pelos sátrapas do anticristo antes da igreja”. Isto era, com poucas diferenças, o que o filósofo cristão William de Ockham (m. 1349) tinha dito, ao declarar que nem o papa nem o concílio, mas somente as Escrituras eram infalíveis.

Outro incidente complicou ainda mais a questão. João XXIII, que sucedeu Alexandre V como papa, estava em guerra com Ladislau de Nápoles. Nessa luta, sua única esperança de vitória estava em obter o apoio, tanto militar como econômico, do restante da cristandade latina. Então, ele declarou que a guerra com Ladislau era uma cruzada, e promulgou a venda de indulgências para sustentá-la. Os vendedores chegaram à Boêmia, usando todo tipo de métodos para vender sua mercadoria. Jan Hus, que vinte anos antes tinha comprado uma indulgência, mas que agora mudara de opinião, protestou contra este novo abuso por duas razões principais: em primeiro lugar, uma guerra entre cristãos dificilmente poderia receber o título de cruzada; e em segundo lugar, somente Deus pode perdoar pecados, por sua graça, e ninguém pode querer vender o que vem unicamente de Deus.

O rei Venceslau IV, entretanto, tinha interesse em manter boas relações com João XXIII. Ele tomou esta posição porque a questão de que se ele ou se o seu meio-irmão, Sigismundo, era o imperador legítimo ainda não fora decidida, e era possível que, se a autoridade de João XXIII viesse a se impor, seria ele quem teria de decidir a questão. Por isto, o rei proibiu que a venda de indulgências continuasse sendo criticada. Sua proibição, todavia, veio tarde demais. A opinião de Hus e de seus companheiros já era conhecida de todos, a ponto de terem surgido passeatas do povo em protesto contra esta nova maneira de explorar os tchecos.

Enquanto isto, João XXIII e Ladislau fizeram as pazes, e a pretensa cruzada foi revogada. Hus, no entanto, ficou sendo, para a cúria romana, o líder de uma grande heresia, e chegou-se a dizer que todos os moradores da Boêmia eram hereges. Em 1412, Hus foi excomungado de novo, por não ter comparecido diante da corte papal, e foi fixado um curto prazo para ele se apresentar. Se não o fizesse, Praga, ou qualquer outro lugar que lhe desse acolhida, estaria sob interdito. Desta forma, a suposta heresia de Hus traria prejuízo para a cidade.

Por esta razão, o reformador tcheco decidiu abandonar a cidade, onde tinha passado a maior parte da sua vida, indo se refugiar no sul da Boêmia. Ali, ele recebeu a notícia de que finalmente se reuniria um grande concílio em Constança, e que ele estava convidado para comparecer lá pessoalmente e se defender. Para isto, o novo imperador, Sigismundo, coroado em novembro de 1414, lhe ofereceu um salvo-conduto, que lhe garantia sua segurança pessoal. Este fato era um indício dos perigos que poderiam estar esperando por Hus. Ele sabia que os alemães, que tinham se transferido para Leipzig, tinham espalhado o rumor de que ele era herege. E sabia que não podia contar com nenhuma simpatia da parte de João XXIII. Os perigos que o esperavam em Constança eram grandes. Mas sua consciência o obrigava a ir. E assim partiu o reformador tcheco, confiando no salvo-conduto imperial e na justiça da sua causa. Só que ao ir para Constança, ele foi vítima de uma das mais sujas armadilhas feitas contra um cristão.

O concílio de Constança havia sido convocado para resolver a escandalosa situação de existirem dois papas, um na Itália, outro na França. Este “Grande Cisma” – que durou de 1378 a 1417 – tinha de ser tratado. Tinham comparecido a este concílio alguns dos mais distintos defensores da reforma através de um concílio, João Gerson e Pedro de Ailly. Em nome da unidade da igreja, o concílio afastou de seus cargos, por diversos meios, os três papas concorrentes, possibilitando aos cardeais eleger Martinho V. Naturalmente, um concílio que restaurou a autoridade do papado não estava pronto a permitir que um rebelde questionasse esta autoridade.

João XXIII o recebeu com cortesia, assegurando que “ainda que ele tenha matado o meu próprio irmão... ele deve ficar a salvo enquanto estiver em Constança”. Mas poucos dias depois, ele foi convocado a se apresentar diante do consistório papal. Hus insistiu em que tinha vindo expor sua fé diante do concílio, e não do consistório. Ali, ele foi formalmente acusado de herege, e ele respondeu que preferia morrer a ser herege, e que se o convencessem de que o era, ele se retrataria. A questão ficou suspensa, mas a partir de então, Hus foi tratado como um prisioneiro, primeiro em sua casa, depois no palácio do bispo, e por último em um convento dominicano que lhe serviu de prisão. Sua cela ficava bem perto de um sistema de escoação de esgotos.

Quando o imperador, que ainda não tinha chegado a Constança, soube o que tinha acontecido, ficou extremamente irado, e prometeu fazer respeitar seu salvo-conduto. Mas depois começou a dar menos ênfase nisto, pois não lhe convinha aparecer como protetor de hereges. Em vão foram os protestos do próprio Hus, como também os que chegaram de muitos nobres da Boêmia. Só que para os italianos, alemães e franceses, que eram a imensa maioria no concílio, os boêmios não passavam de bárbaros que sabiam pouco de teologia, e cujos pronunciamentos não deveriam ser levados a sério.

No dia 5 de junho, Hus compareceu diante do concílio. Poucos dias antes, João XXIII tinha sido aprisionado e trazido de volta para Constança. Já que isto significava que este papa tinha perdido todo o poder, e já que Hus tivera seus piores conflitos com ele, era de se supor que a situação do reformador melhoraria. Mas o contrário aconteceu. Doente, fisicamente desgastado por um longo aprisionamento e falta de sono, Hus foi levado para a assembléia acorrentado, como se tivesse tentado fugir ou se já tivesse sido julgado. Foi acusado formalmente de ser um herege e de seguir as doutrinas de Wycliffe. Ele tentou expor suas opiniões, mas houve uma tamanha gritaria que ele não pode se fazer ouvir. Por fim, foi decidido adiar a questão para o dia 7 do mesmo mês.

O processo de Hus durou três dias. Repetidamente ele foi acusado de herege. Mas, quando foram relacionadas as doutrinas concretas de que supostamente consistia sua heresia, Hus demonstrou que era perfeitamente ortodoxo. Pedro de Ailly assumiu a liderança do julgamento, exigindo que Hus se retratasse das suas heresias. Ele insistia em que nunca tinha crido nas doutrinas de que exigiam que ele se retratasse, e que por isto não podia fazer o que de Ailly exigia dele. Hus disse ao concílio que “não poderia, por uma capela cheia de ouro, recuar da verdade”. Não havia maneira de resolver o conflito. Pedro de Ailly queria que Hus se submetesse ao concílio, cuja autoridade não podia ficar em dúvida. Hus lhe mostrava que o papa que o tinha acusado de desobediência era o mesmo que o concílio acabara de depor. Segundo o historiador metodista Justo Gonzáles, “mostrar suas contradições a um homem supostamente sábio, tido como o homem mais ilustre da época, e isto diante de uma grande assembléia, nem sempre é uma atitude sábia”. O rancor de de Ailly aumentou cada vez mais. Outros líderes do concílio, entre eles João Gerson, diziam que estava desperdiçando o tempo que deveriam dedicar a questões mais importantes, e que de qualquer forma os hereges não mereciam tanta atenção. O imperador se deixou convencer de que ele não precisaria guardar sua palavra para com os que não têm fé, e retirou seu salvo-conduto.

Quando Hus acabou dizendo que era verdade que ele tinha dito que se não quisesse ter vindo para Constança, nem o imperador nem o papa teriam podido obrigá-lo, seus acusadores viram nisto a prova de que ele era um herege obstinado e orgulhoso – apesar de o nobre boêmio João de Clum, que o defendeu até o final, ter declarado que o que Hus dissera era verdadeiro, e que tanto ele como muitos outros nobres mais poderosos do que ele teriam protegido Hus se este tivesse decidido não ir ao concílio.


Fiel até a morte

O concílio pedia unicamente que Hus se submetesse, retratando-se de seus ensinos. Mas não estava disposto a escutar o acusado, quanto a quais eram as doutrinas que tinha crido e ensinado. Uma simples retratação teria bastado. O cardeal Zabarella preparou um documento em que exigia que Hus que se retratasse de seus erros e aceitasse a autoridade do concílio. O documento estava cuidadosamente redigido, porque seus juízes queriam lhe dar todas as oportunidades para que se retratasse, e assim ganhar a disputa, mas Hus sabia que se retratasse, com isto estaria condenando todos os seus amigos, pois se declarasse que suas doutrinas eram aquelas que seus inimigos tinham apresentado, estaria nisto implícito que seus seguidores criam nas mesmas coisas e que, portanto, eram hereges.

Sua resposta foi firme: “Apelo a Jesus Cristo, o único juiz todo-poderoso e totalmente justo. Em suas mãos eu deponho a minha causa, pois Ele há de julgar cada um, não com base em testemunhos falsos e concílios errados, mas na verdade e na justiça”. Por vários dias, o deixaram encarcerado, na esperança de que fraquejasse e se retratasse. Muitos foram lhe pedir que o fizesse, talvez sabendo que sua condenação seria uma mancha para o concílio de Constança. Mas ele continuou firme. Em 1 de julho de 1415, Hus escreveu sua última declaração: “Eu, Jan Hus, em esperança, sacerdote de Jesus Cristo, temendo ofender a Deus, e temendo cometer perjúrio, professo, por este meio, minha repugnância, para renunciar todos ou quaisquer dos artigos produzidos contra mim por meio de falso testemunho. Porque Deus é minha testemunha que eu nem os preguei, ou os afirmei, nem os defendi, entretanto eles dizem que eu fiz isto. Além disso, relativo aos artigos que eles extraíram de meus livros, digo que desprezo qualquer falsa interpretação que eles usaram. Mas já que eu temo transgredir a verdade, ou contradizer a opinião dos doutores da Igreja, eu não posso renunciar a qualquer um deles. E se fosse possível que minha voz pudesse chegar ao mundo inteiro agora, como no dia do julgamento, em que toda mentira e todo pecado que eu cometi será manifesto, então eu alegremente renuncio diante de todo o mundo toda falsidade e erro que eu ou tenha pensado ou declarado ou de fato tenha dito! Eu digo que eu escrevi isto de minha própria livre vontade e escolha. Escrito com minha própria mão, no primeiro dia de julho”.

Por fim, no dia 6 de julho, ele foi levado para a catedral de Constança. Ali, depois de um sermão sobre a teimosia dos hereges, ele foi vestido de sacerdote e recebeu o cálice, somente para logo em seguida lhe arrebatarem ambos, em sinal de que estava perdendo suas ordens sacerdotais. Depois cortaram seu cabelo, para estragar a tonsura. Por último, lhe colocaram na cabeça uma coroa de papel decorada com diabinhos, e o enviaram para a fogueira. A caminho do suplício, ele teve de passar por uma pira onde ardiam seus livros. Ele riu e disse aos que assistiam para não crerem nas mentiras que circulavam a seu respeito. Pediram-lhe mais uma vez que se retratasse, e mais uma vez ele negou com firmeza: “Deus é minha testemunha que a evidência contra mim é falsa. Eu nunca pensei ou preguei exceto com a única intenção de ganhar os homens, se possível, dos seus pecados”. Por fim orou, dizendo: “Senhor Jesus, por Ti sofro com paciência esta morte cruel. Rogo-Te que tenhas misericórdia dos meus inimigos”. O fogo foi aceso. Enquanto as chamas o envolviam, Hus começou a cantar: “Cristo, Tu Filho do Deus vivo, tem misericórdia de mim”.

Os carrascos recolheram todas as cinzas e as lançaram no lago de Constança, para que não restasse nada dele. Mas seus discípulos recolheram a terra em que foi queimado e a levaram para a Boêmia. O local onde ele morreu está marcado hoje por uma pedra memorial, e Hus ainda hoje é homenageado com um feriado público anual na República Tcheca. Pouco depois, Jerônimo de Praga, que tinha decidido se unir a ele em Constança, também foi martirizado. As idéias de Hus sobreviveram através de um grupo evangélico conhecido como Unitas Fratrum (Irmãos Unidos), ou Irmãos Boêmios, que existe até hoje, e influenciaram indiretamente Martinho Lutero (1483-1546) e John Wesley (1703-1791).

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Sobre o autor: Franklin Ferreira (Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia, Bacharelando em Educação e Doutorando em Teologia) é professor de teologia sistemática no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro, e na Escola de Pastores, em Niterói.

John Wycliffe

Uma igreja em declínio

Durante o século XV houve algumas tentativas de reforma da igreja, mas esta reforma não era dirigida contra as questões doutrinárias, mas mais contra a vida religiosa na prática, em particular contra os abusos presentes na igreja medieval. Ao mesmo tempo, houve outro movimento de reforma muito mais radical, que não se contentava em atacar questões referentes à vida e aos costumes, mas queria corrigir também as doutrinas da igreja, ajustando-as à mensagem do evangelho. Entre os que seguiram este caminho, os que mais se destacaram foram John Wycliffe e Jan Huss (1370-1415). Wycliffe viveu durante a época do “cativeiro babilônico” do papado (quando o papado foi estabelecido em Avignon, na França), e no início do “Grande Cisma” (que começou em 1378, quando dois papas rivais tentaram exercer autoridade sobre a igreja). Estes homens prepararam o caminho para a reforma protestante do século XVI.

A época em que Wycliffe viveu era caracterizada pela incerteza e pressões comuns à nossa época. A “peste negra” varreu a Inglaterra e a Europa e, em alguns lugares, um terço da população foi morta. O que ficou conhecido como a “Guerra dos Cem Anos” entre a Inglaterra e a França minou energias e recursos. A igreja possuía mais de um terço das terras da Inglaterra. O clero era normalmente inculto e imoral. Altos cargos na igreja eram comprados ou dados como favores políticos. Aos ingleses desagradava enviar dinheiro para um papa em Avignon, que estava sob influência do inimigo da Inglaterra, o rei da França. O controle dos salários relegava os pobres a uma existência marginalizada e conduziu à violenta Revolta dos Camponeses na Inglaterra, em 1381.


Um erudito cristão

Sabemos muito pouco da juventude de John Wycliffe, que nasceu em cerca de 1328, em uma rica família inglesa, em Hipswell, no Condado de Yorkshire. Parece que ele teve uma infância típica em uma pequena aldeia da Inglaterra, e uma juventude dedicada quase exclusivamente ao estudo. Ele começou sua vida acadêmica aos treze anos, indo estudar na Universidade de Oxford, no Balliol College. A Universidade de Oxford tinha alcançado grande reconhecimento, tendo sido considerada por muitos
como a principal universidade na Europa. Tristemente, naquela época, em lugar de estudar as Escrituras, os homens gastavam o tempo estudando filósofos como Tomás de Aquino (c. 1224-1274) e John Duns Scotus (1265-1308). Porém havido um homem realmente cristão que era professor no Balliol College. O nome dele era Tomás de Bradwardine (falecido em 1349). Ele estava terminando sua carreira aproximadamente ao mesmo tempo em que Wycliffe estava começando a sua. Bradwardine estava pronto aceitar o que Deus tinha revelado em sua Palavra. Ele viu o caminho que outros perderam. Ele ensinou a verdade do Evangelho que Deus salva os homens de seus pecados por meio de sua livre graça. Luz começou a raiar na Europa por causa deste grande homem.

Wycliffe continuou seus estudos, financiando-os de uma forma duvidosa, mas de modo muito comum em sua época – aceitou um ofício pastoral e o salário atribuído a ele, mas sem cumprir suas obrigações. Isto possibilitou continuar sua carreira acadêmica em Oxford, recebendo seu doutorado em 1372, quando se tornou um dos mais brilhantes teólogos e filósofos de sua época.

Wycliffe saiu da universidade em 1371, para se colocar a serviço da coroa, ajudado pelo poderoso John de Gaunt, o Duque de Lancaster, filho de Eduardo III. Gaunt foi o governante de fato da Inglaterra, entre 1377 a 1381, depois da morte do pai, enquanto Ricardo II não tinha idade suficiente para reinar. Na época, havia tensões entre o trono inglês e o papado romano, particularmente com referência a certos impostos que o papado estava exigindo da Inglaterra. Wycliffe saiu em defesa da coroa, atacando a teoria que dizia que o poder temporal (estatal) se origina do espiritual (eclesiástico). Ele participou também de uma embaixada em 1375, em Bruges, na Bélgica, em que discutiu com os legados do papa os pontos em debate. Parece que sua lógica inflexível, aliado a sua falta de senso da realidade política, tornava-o pouco apto para o serviço diplomático, e por isto ele não voltou a ser enviado em missões semelhantes. A partir de então ele foi usado principalmente como um polemista demolidor, que o estado inglês empregava contra seus inimigos da igreja.

Este debate em que se envolveu, somada ao escândalo do “Grande Cisma”, o conduziu a posições cada vez mais ousadas, atacando não apenas o papa e os poderosos senhores da igreja, mas também os poderosos do estado. Em seu entendimento, assim como o poder espiritual tinha seus limites, o temporal também os tinha. Ele também argumentou que apenas o governante piedoso pode exercer a autoridade corretamente, e que governantes ímpios não tem autoridade legítima – sejam eles nobres, reis ou papas. Por causa disto, os nobres que antes o apoiavam foram se separando dele, deixando-o cada vez mais só.


Um crítico da Igreja

Wycliffe então voltou para a Universidade de Oxford, onde tinha muitos seguidores e admiradores. Mas também ali o cerco se fechava. Ele tem sido chamado de a “estrela da manhã da Reforma”, porque audaciosamente questionou a autoridade papal, criticou a venda de indulgências (a qual supostamente libertava as pessoas do castigo do purgatório), falou abertamente contra a hierarquia eclesiástica e negou a realidade da transubstanciação – a igreja romana dizia que a substância do pão e do vinho é mudada em corpo e sangue de Jesus Cristo durante a missa. Ele entendia que a substância dos elementos era indestrutível e que Cristo estava apenas espiritualmente presente no sacramento. Em suas palavras, “quando vemos a hóstia não devemos crer que ela própria é o corpo de Cristo, mas que o corpo de Cristo está sacramentalmente escondido nela... A nós cristãos é permitido negar que o pão que consagramos é idêntico ao corpo de Cristo, embora seja ele um sinal eficiente dele... [Aqueles que identificam] falham em distinguir entre a figura e a coisa figurada e em considerar o significado figurativo... O receber espiritual do corpo de Cristo consiste não num receber corpóreo, no mastigar ou tocar da hóstia consagrada, mas no alimentar da alma de fé frutífera conforme a qual nosso espírito é alimentado no Senhor... Porque nada é mais horrível do que a necessidade de comer a carne materialmente e o beber o sangue materialmente de um homem amado [Jesus Cristo] tão claramente” (A Eucaristia 1:2, 11; 7:58; 1:15). Se adotada, a posição de Wycliffe significaria que o sacerdote não mais reteria a salvação de alguém por ter em suas mãos o corpo e o sangue de Cristo na comunhão. A posição de Wycliffe não é totalmente clara, e tem sido reclamada tanto pelos seguidores de Martinho Lutero como pelos de João Calvino.

Seus ataques contra os monges (as ordens monásticas eram comprometidas com a pobreza, mas toda a sua considerável riqueza era mantida de forma injusta, não lhes pertencendo de forma legítima), que tinham começado anos antes, lhe valeram muitos inimigos. Em 1377, o papa Gregório XI condenou John Wycliffe por seus ensinamentos e pediu que a Universidade de Oxford o demitisse. Por instigação do arcebispo de Canterbury, Simon de Sudbury, o reitor da universidade convocou uma assembléia para discutir os ensinos de Wycliffe sobre a ceia, e esta assembléia o condenou por estreita margem de votos, em 1380. Mesmo assim, muitos em Oxford ainda o defendiam, e as autoridades não se atreviam a tomar atitudes contra ele. Durante vários meses ele esteve preso em sua casa, privado da liberdade, mas com permissão para continuar escrevendo seus livros, cada vez mais agressivos. Em 1381, a Revolta dos Camponeses na Inglaterra forçou a igreja e os nobres a cooperarem entre si na restauração da lei e da ordem. Embora Wycliffe não estivesse envolvido na rebelião, aqueles que se opunham a ele alegavam que a revolta fora resultado de seus ensinos. Aproveitando-se da situação, os líderes da igreja inglesa forçaram seus seguidores a saírem de Oxford.


Tradutor das Escrituras

Por causa das pressões de um velho inimigo, William Courtenay, que era bispo de Londres, Wycliffe se retirou para a igreja paroquial de Lutterworth, perto de Rugby, em 1382. Com o passar dos anos, ele foi dando cada vez mais ênfase na autoridade das Escrituras, em detrimento da autoridade do papa e das tradições eclesiásticas. Ele entendia que as Escrituras pertencem à igreja, e por isto devem ser interpretadas dentro dela e por ela. Para ele, as Escrituras contém tudo que é necessário para a salvação, sem qualquer necessidade de tradições adicionais.

Além disto, ele acreditava que o melhor caminho para prevalecer em sua luta contra a autoridade abusiva da igreja católica era tornar a Bíblia acessível às pessoas em sua própria língua. Desse modo, poderiam ler por si mesmas acerca da forma como cada uma poderia ter um relacionamento pessoal com Deus através de Jesus Cristo – independente de qualquer autoridade eclesiástica. Como ele disse: “As palavras de Deus darão aos homens nova vida mais do que as outras palavras lidas por mero prazer. Oh, maravilhoso poder da Divina Semente que vence homens fortes e armados, amacia os corações duros e renova e transforma em homens piedosos aqueles que tinham sido brutalizados pelos pecados, e se afastaram infinitamente de Deus. Obviamente tal miraculoso poder nunca poderia ser operado pelo trabalho de um sacerdote, se o Espírito da Vida, e a Eterna Palavra, acima de qualquer outra coisa, não operassem”. Em 1382, atacou a autoridade do papa, dizendo num livro que Cristo e não o papa era o chefe da igreja. Afirmou que a Escritura e não a igreja era a autoridade única para o crente e que a igreja romana deveria se modelar segundo o padrão da igreja do Novo Testamento.

Em Lutterworth, Wycliffe e alguns de seus antigos alunos, completaram a tradução do Novo Testamento por volta de 1380 e o Antigo Testamento em 1382. Enquanto Wycliffe concentrava seus esforços no Novo Testamento, um de seus amigos, Nicolau de Hereford, trabalhava sob sua supervisão na tradução do Antigo Testamento. Wycliffe e seus companheiros, por não conhecerem o hebraico e o grego originais, traduziram o texto do latim para o inglês – usando a tradução latina de Jerônimo, escrita à mão a mais de 100 anos. Um dos amigos mais chegados de Wycliffe, John Purvey (c. 1353-1428), continuou a obra de Wycliffe, lançando, em 1388, uma revisão de sua tradução. Purvey era um erudito, e seu trabalho foi muito bem recebido por sua geração e pelas que se seguiram. Menos de um século depois, a edição revista de Purvey havia substituído a Bíblia inicial de Wycliffe. Eles foram os primeiros ingleses a traduzir toda a Bíblia do latim para o inglês.

Outros de seus escritos, além dos seus trabalhos sobre os problemas da Igreja e do Estado, incluíam tratados de lógica e metafísica e numerosos livros e sermões teológicos. Em um sermão intitulado “O amor de Jesus” ele expressa de forma comovente seu amor por Cristo, que o constrangeu a se lançar à obra de reforma da igreja: “A não ser que um homem seja primeiro purificado por provações e tristezas, ele não pode alcançar a doçura do amor de Deus. Oh, tu amor eterno, inflama minha mente para que eu ame a Deus, que incendeie tudo, menos o Seu chamado. Oh, bom Jesus! Quem mais poderia me dar o que sinto de Ti. Agora, Tu deves ser sentido, e não visto. Entra nos mais íntimos recessos da minha alma; entra no meu coração e enche-o completamente com Tua claríssima doçura; faze com que minha mente beba profundamente do forte vinho do Teu doce amor; pois somente Tua presença é para mim consolo ou conforto, e só Tua ausência me deixa entristecido. Oh, Tu, Santo Espírito, que sopras onde queres, entra em mim, atrai-me a Ti, para que eu possa desprezar e ter em nada em meu coração todas as coisas deste mundo. Inflama o meu coração com o Teu amor que para sempre arderá sobre o Teu altar. Vem, eu te imploro, doce e verdadeira alegria; vem doçura tão desejável; vem meu amado, que és todo o meu conforto”. Esse amor deveria ser uma força impulsora para todos os cristãos hoje.


Precursor da Reforma

E foi também por este amor que, em pouco tempo, o país se viu invadido pelos “lolardos”, ou “pregadores pobres”. Vários dos seus discípulos se dedicaram a divulgar suas doutrinas entre o povo, ainda durante a vida do mestre de Oxford. As doutrinas dos “lolardos” eram claras: A Bíblia deveria ser colocada à disposição do povo em seu próprio idioma. As distinções entre o clero e os leigos, com base no rito de ordenação eram contrárias às Escrituras. Clérigos injustos deveriam ser desobedecidos. A principal função dos ministros de Deus deveria ser pregar, e eles deveriam ser proibidos de ocupar cargos públicos, pois “ninguém pode servir a dois senhores”. Além disto o celibato de sacerdotes e monges era uma abominação que produzia imoralidade, aberrações sexuais, abortos e infanticídios. O culto às imagens, as peregrinações, as orações em favor dos mortos e a doutrina da transubstanciação eram pura magia e superstição.

Os “lolardos” incluíam estudantes da Universidade de Oxford, pequenos proprietários e muitos pobres das áreas rurais e urbanas. A igreja romana, através de uma declaração apoiada pelo Parlamento, em 1401, passou a perseguir e castigar com a pena de morte a pregação dos “lolardos”. Alguns estudiosos acham que esta perseguição foi eficaz na destruição do movimento até o fim do século XV. Outros argumentam que a influência deste grupo foi preservada em certos lugares e inspiraram a Reforma no século XVI. Mas a influência de Wycliffe foi muito mais forte na Europa continental. O casamento de Ricardo II, da Inglaterra, com Anne da Boêmia, firmou vínculos espirituais com a Boêmia (atual República Tcheca). Pela influência da rainha, os trabalhos de Wycliffe foram levados para a Boêmia, onde Jan Huss foi grandemente influenciado por eles. Suas idéias foram levadas para este país através de estudantes tchecos que estudavam na Universidade de Oxford (entre eles, Jerônimo de Praga), lançando os fundamentos dos ensinos de Huss. Através de sua influência na Boêmia, Wycliffe realmente foi um precursor da Reforma protestante.

Wycliffe continuou escrevendo até sua morte, no Natal de 1384, em conseqüência de um derrame cerebral. Já que faleceu estando em comunhão com a igreja, protegido da fúria da igreja por seus amigos ligados à nobreza, ele foi enterrado em terreno consagrado. Mas sua influência continuou tão forte que os ensinos de Wycliffe foram formalmente condenados, no concílio de Constança (1414-1418), trinta anos mais tarde. Ordens foram dadas para que seus escritos fossem destruídos, desenterraram seus ossos, queimaram-nos e lançaram suas cinzas no rio Swift. De qualquer maneira, as autoridades pensaram que, ao queimar seus restos mortais, eles poderiam apagar sua memória. Mas tais ações não poderiam parar a fome pela Palavra de Deus e pela verdade.

Como disse o historiador Thomas Fuller: “Eles queimara seus ossos até às cinzas / e as lançaram na correnteza, / um riacho próximo que corria velozmente. / Assim o riacho levou as cinzas para o Avon, / o Avon para o Severn; o Severn para os mares estreitos; / e eles para o oceano. E assim as cinzas de Wycliffe são o emblema da sua doutrina / que agora está espalhada para o mundo todo”. Uma grande organização evangélica missionária, fundada em 1942, recebeu seu nome, e, em cooperação com outros ministérios semelhantes, os tradutores da “Associação Wycliffe para Tradução da Bíblia” (Wycliffe Bible Translators) almejam traduzir a Bíblia para cada uma das 2.500 línguas restantes sobre a Terra que não têm as Sagradas Escrituras.
Franklin Ferreira

As Doutrinas da Reforma

No dia 31 de Outubro de 1517, na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha, Lutero afixou as suas 95 teses que acabaram provocando o grande movimento religioso, conhecido como a Reforma do Século XVI. Nelas Lutero convidava os interessados a debater a questão das indulgências (que eram vendidas para a construção da Basílica de S. Pedro, em troca de perdão de pecados) e os males que esse tráfico religioso podia acarretar. Era costume na época afixar em lugares públicos temas ou teses para debate e convidar os interessados para discuti-los. Embora ninguém tivesse comparecido para o debate, em pouco tempo toda a Alemanha conhecia as teses de Lutero, que lhe custaram a bula de excomunhão, mas que representaram também o começo da obra de purificação da Igreja e seu retorno à verdade.

Em suas teses, Lutero questionava o poder (ou mesmo a intenção) do Papa de perdoar pecados ou de isentar alguém de penas, a não ser aquelas por ele mesmo impostas. Negava que esse perdão (de penas ou penitências) pudesse se estender aos que já haviam morrido e que, porventura, estivessem no purgatório. Para ele, só o arrependimento, seguido de atos de amor e penitência, com ou sem carta de perdão (indulgência) podia realmente perdoar pecados. Destacava o valor da Palavra de Deus, a qual não deveria ser silenciada em benefício da pregação das indulgências. A intenção do Papa, dizia, deve ser esta: se a concessão dos perdões – que é matéria de pouca importância – é celebrada pelo toque de um sino, com uma procissão e com uma cerimônia, então o Evangelho – que é a coisa mais importante – deve ser pregado com o acompanhamento de cem sinos, de cem procissões e de cem cerimônias (tese 55) e, ainda, o verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus (tese 62). Negava que a cruz adornada com as armas papais (que era carregada pelos vendedores de indulgências) tivesse o mesmo efeito que a cruz de Cristo (tese 79). Muitas outras questões foram levantadas nas teses, as quais acabavam batendo na própria autoridade do Papa e na lisura de suas intenções.
Lutero afirmava: Essa licenciosa pregação dos perdões torna difícil, mesmo a pessoas estudadas, defender a honra do Papa contra calúnia, ou pelo menos contra as perguntas capciosas dos leigos. Esses perguntam: Por que o Papa não esvazia o purgatório por um santíssimo ato de amor e das grandes necessidades das almas; isto não seria a mais justa das causas, visto que ele resgata um número infinito de almas por causa do sórdido dinheiro dado para a edificação de uma basílica que é uma causa bem trivial? ... Que misericórdia de Deus e do Papa é essa de conceder a uma pessoa ímpia e hostil a certeza, por pagamento de dinheiro, de uma alma pia em amizade com Deus, enquanto não resgata por amor espontâneo uma alma que é pia e amada, estando ela em necessidade?... As riquezas do Papa hoje em dia excedem muito à dos mais ricos Crassos; não pode ele então construir uma basílica de S. Pedro com seu próprio dinheiro, em vez de fazê-lo com o dinheiro dos fiéis? ... Abafar esses estudados argumentos dos fiéis apelando simplesmente para a autoridade papal em vez de esclarecê-los mediante uma resposta racional, é expor a Igreja e o Papa ao ridículo dos inimigos e tornar os cristãos infelizes (teses 81, 82, 84, 86 e 90).
Com essas e outras proposições Lutero alcançou mais do que podia imaginar. Atingiu o ponto crucial do problema: a situação de distanciamento do Evangelho em que se encontrava a Igreja. Os males da Igreja não eram apenas os seus desvios morais, econômicos e políticos, que a colocavam em descrédito perante o povo. Seu problema principal, responsável também por estes, era o afastamento das doutrinas fundamentais da Palavra de Deus.
A Reforma trouxe a Igreja de volta às Escrituras e ao Evangelho pregado pelos apóstolos. O próprio Lutero, de início, não estava totalmente livre dos erros pregados por sua Igreja, como muito bem atesta sua crença no purgatório (teses 10, 11, 15, 16, 17, 22, etc), e no valor da penitência (sofrimento) e do perdão do Papa para certos pecados (teses 6, 7, 8,12, 34, 38, 40, etc.). Foi o estudo da Bíblia que revelou quão longe a Igreja estava afastada da verdade e a trouxe de volta à pureza de sua crença primitiva. A Reforma restituiu à Igreja a crença em doutrinas chaves, que se tornaram essenciais para a sua pregação e para distingui-la dos erros que continuaram e ainda são mantidos pela Igreja Romana até os nossos dias. É a importância dessas doutrinas, conhecidas por sua designação latina Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia, Sola Fide e Soli Deo Gloria, que queremos apresentar, ainda que de forma breve, neste estudo.

1. Sola Scriptura
"Somente a Escritura" - ou a autoridade e suficiência das Escrituras.

Para os reformadores, somente a Escritura Sagrada tem a palavra final em matéria de fé e prática. É o que ficou consubstanciado nas Confissões de Fé de origem reformada. A Confissão de Fé de Westminster, que adotamos, afirma: Sob o nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Velho e do Novo Testamento, ... todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e de prática..
A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a palavra de Deus... O Velho Testamento em Hebraico... e o Novo Testamento em Grego..., sendo inspirados imediatamente por Deus e pelo seu singular cuidado e providência conservados puros em todos os séculos, são por isso autênticos e assim em todas as controvérsias religiosas a Igreja deve apelar para eles como para um supremo tribunal... O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares, o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos firmar não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.(I, 2,4,8,10).
A Igreja Católica Romana também aceita as Escrituras como Palavra de Deus, mas não só as Escrituras. Ela acredita que as decisões da Igreja através dos seus concílios e do Papa, quando fala oficialmente (ex cathedra) em matéria de fé e de moral, são igualmente a palavra de Deus, infalível. É o que se chama de Tradição da Igreja. Sobre a autoridade da Igreja e do Papa, assim diz um autor católico: "Cristo deu à Igreja a tarefa de proclamar sua Boa-Nova (Mt 28, 19-20). Prometeu-nos também seu Espírito, que nos guia"para a verdade" (Jo 16,13). Este mandato e esta promessa garantem que nós, a Igreja, jamais apostataremos do ensinamento de Cristo. Esta incapacidade da Igreja em seu conjunto de extraviar-se no erro com relação aos temas básicos da doutrina de Cristo chama-se infalibilidade... A infalibilidade sacramental da Igreja é preservada pelo seu principal instrumento de infalibilidade, o Papa. A infalibilidade que toda a Igreja possui, pertence ao Papa dum modo especial. O Espírito de verdade garante que quando o Papa declara que ele está ensinando infalivelmente como representante de Cristo e cabeça visível da Igreja sobre assuntos fundamentais de fé ou de moral, ele não pode induzir a Igreja a erro. Esse dom do Espírito se chama infalibilidade papal. Falando da infalibilidade da igreja, do Papa e dos Bispos, o Concílio Vaticano II diz: "Esta infalibilidade, da qual quis o Divino Redentor estivesse sua Igreja dotada... é a infalibilidade de que goza o Romano Pontífice, o Chefe do Colégio dos Bispos, em virtude de seu cargo... A infalibilidade prometida à Igreja reside também no Corpo Episcopal, quando, como o Sucessor de Pedro, exerce o supremo magistério" (Lúmen Gentium, nº 25) -(http://www.geocities.com/Augusta/3540/doutrina.htm).
Sobre a relação entre as Sagradas Escrituras e a Tradição, diz esse mesmo autor: O Concílio Vaticano II descreve a Sagrada Tradição e as Sagradas Escrituras como sendo "semelhante a um espelho em que a Igreja peregrinante na terra contempla a Deus" (Constituição Dogmática Dei Verbum, sobre a Revelação Divina, nº 7). A palavra revelada de Deus chega até você mediante palavras faladas e escritas por seres humanos. A Escritura Sagrada é a Palavra de Deus "enquanto é redigida sob a moção do Espírito Santo" (Dei Verbum, nº 9). A Sagrada Tradição é a transmissão da Palavra de Deus pelos sucessores dos apóstolos. Juntas, a Tradição e a Escritura constituem um só sagrado depósito da palavra de Deus, confiado à Igreja"(Dei Verbum, nº 10). E mais adiante acrescenta: A Sagrada Tradição é a transmissão da Palavra de Deus. Esta transmissão é feita oficialmente pelos sucessores dos apóstolos, e não oficialmente por todos os que cultuam, ensinam e vivem a fé, tal como a Igreja a entende. (Ibidem).
No dias de Lutero a Igreja Romana já pensava assim e assim pensa até hoje. Na prática, a Tradição está acima da Bíblia para o catolicismo. Já que cabe à Igreja transmitir e interpretar a Bíblia, com igual autoridade e infalibilidade, é a palavra da Igreja, em última instância, que tem valor. O escritor católico, acima referido, diz: O Vaticano II fez o que a Igreja docente sempre tem feito: expressou o conteúdo imutável da revelação, traduzindo-o para formas de pensamento do povo de acordo com a cultura de hoje. Mas esta "tradução do conteúdo imutável" não é como que vestir notícias velhas com linguagem nova. Como afirmou o Vaticano II: "Esta Tradição, oriunda dos Apóstolos, progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Cresce, com efeito, a compreensão tanto das coisas como das palavras transmitidas... no decorrer dos séculos, a Igreja tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que se cumpram nela as palavras de Deus". (Dei Verbum, nº 8).
Pelo Vaticano II a Igreja deu ouvidos ao Espírito, empenhou-se na sua "tarefa de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho" (Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no Mundo Moderno, nº 4). Nem sempre é claro aonde o Espírito está nos conduzindo. Mas o terreno no qual nós, a Igreja, caminhamos adiante da nossa peregrinação é firme: o Evangelho de Cristo. Nesta etapa da nossa história, um de nossos instrumentos básicos de Tradição - de transmissão da fé - são os documentos do Vaticano II (Ibidem).
Por este texto percebe-se que a Igreja Romana arroga a si não só a autoridade de interpretar e contextualizar a Bíblia, de modo infalível, mas a de continuar a sua revelação. Por isso a leitura da Bíblia pelos leigos não é vista como necessária; e, em alguns casos, é tida até como perigosa. A Reforma ensinou o livre exame das Escrituras. Qualquer pessoa tem o direito e até o dever de examinar, por si mesma, se o ensino da Igreja está de acordo com as Escrituras. Foi o que fizeram os crentes de Beréia, pelo que foram elogiados (At 17:11). A Igreja pode errar e tem errado. A infalibilidade deve ser atribuída apenas ao texto bíblico, não aos que o interpretam. Em nenhum lugar da Bíblia lemos que a promessa, dada aos apóstolos, de que o Espírito os conduziria a toda a verdade se estenderia aos demais líderes da Igreja, em todos os tempos. Jesus prometeu-lhes que o Espírito não só os guiaria a toda verdade (Jo 16:13), mas lhes ensinaria todas as coisas e os faria lembrar de tudo o que lhes tinha dito (Jo 14:26). Isto só poderia aplicar-se a eles, os apóstolos. Só eles ouviram o que Jesus disse para poder lembrar-se depois, não os bispos nem os papas. A infalibilidade do Papa (e, por extensão, da Igreja) só foi declarada como dogma em 1870, no Concílio Vaticano I. Tal dogma, naturalmente, serviu ao propósito de dar "legitimidade" aos inúmeros ensinos contrários às Escrituras, tanto os já anteriormente estabelecidos como outros que viriam depois, como a oração pelos mortos (310), a instituição da missa substituindo o culto (394), o culto a Maria (431), a invenção do purgatório (503), a veneração de imagens (783), a canonização dos santos (933), o celibato clerical (1074), o perdão através da venda de indulgências (1190), a hóstia substituindo a Ceia (1200), a adoração da hóstia (1208), a transubstanciação (1215), a confissão auricular (1216), os livros apócrifos como parte do cânon (1546), o dogma da Imaculada Conceição de Maria (1854) e o dogma da Assunção de Maria (1950), dentre outros.
Lutero se opôs naturalmente a esse ensino da Igreja. Já nas suas teses proclamava que comete-se uma injustiça para com a palavra de Deus se no mesmo sermão se concede tempo igual, ou mais longo, às indulgências do que à palavra de Deus (tese 54) e que o verdadeiro tesouro da Igreja é o sacrossanto Evangelho da glória e da graça de Deus (tese 62). Comparava o Evangelho como "redes com que, desde a antiguidade, se pescam homens de bem" enquanto que as indulgências eram "redes com que agora se pescam os bens dos homens" (teses 65 e 66). Mas foi na Dieta de Worms, em 1521, que demonstrou estar totalmente convencido de que as Escrituras eram a sua única autoridade reconhecida. Quando perguntado se estava disposto a se retratar das afirmações que fizera, negando autoridade a certas decisões de alguns concílios, sua resposta foi: É impossível retratação, a não ser que me provem que estou laborando em erro, pelo testemunho das Escrituras ou por uma razão evidente; não posso confiar nas decisões dos concílios e dos Papas, pois é evidente que eles não somente têm errado, mas se têm contradito uns aos outros. Minha consciência está alicerçada na Palavra de Deus, e não é seguro nem honesto agir-se contra a consciência de alguém. Assim Deus me ajude. Amém.
Tanto a autoridade única como também a suficiência das Escrituras têm sido doutrinas preciosas para as igrejas reformadas. Só a Escritura e toda a Escritura! Não precisamos de outra fonte para saber o que devemos crer e como devemos agir. Hoje há uma tendência para se colocar a experiência humana e supostas revelações do Espírito no mesmo nível de autoridade das Escrituras, por parte de alguns grupos evangélicos. Na prática, às vezes essas experiências acabam se tornando mais desejadas e tidas como mais valiosas do que o próprio ensino das Escrituras. Tomam hoje o lugar que, no passado, tomava a Tradição. É preciso que voltemos ao princípio da Sola Scriptura, se queremos ser realmente reformados em nossas convicções e práticas. A Escritura, e não a nossa experiência subjetiva, deve ser o nosso critério de verdade. Nossa pregação não deve visar o que agrada aos homens, mas o que agrada a Deus. Já dizia Lutero que os tesouros das indulgências eram muito mais populares dos que os tesouros do Evangelho (teses 63 e 64), e isso, certamente, porque faziam as pessoas se sentirem bem, aliviadas do sentimento de culpa, pela promessa, ainda que falsa, de perdão de pecados. Só a pregação da Lei associada ao Evangelho pode realmente trazer o homem ao arrependimento e ao perdão divino. As Escrituras são a espada do Espírito. É por elas, e não independente delas, que o Espírito age. Nossas experiências espirituais só têm valor se forem produzidas pela persuasão da Palavra.

2. Solus Christus
"Somente Cristo" - ou a suficiência e exclusividade de Cristo

O Catolicismo Romano afastou-se do Evangelho e instituiu o culto a Maria, já em 431, o culto às imagens, em 787, e a canonização dos santos, em 933. Instituiu também a figura do sacerdote como vigário de Cristo, a quem devem ser confessados os pecados e a quem supostamente foi conferido poder para perdoá-los, mediante a prescrição de penitências. Um dos pontos centrais das teses de Lutero tinha a ver exatamente com o poder do Papa e dos sacerdotes de perdoar pecados, que ele questionava, pelo menos no que diz respeito aos mortos. Dizia ele: O Papa não tem o desejo nem o poder de perdoar quaisquer penas, exceto aquelas que ele impôs por sua própria vontade ou segundo a vontade dos cânones. O Papa não tem o poder de perdoar a culpa a não ser declarando ou confirmando que ela foi perdoada por Deus; ou, certamente, perdoando os casos que lhe são reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações a culpa permaneceria. Os cânones da penitência são impostos unicamente sobre os vivos e nada deveria ser imposto aos mortos segundo eles (teses 5, 6 e 8). Mas admitia o sacerdote como vigário de Deus, perante quem Deus podia perdoar a culpa, mediante humilhação do penitente ( tese 7). Só mais tarde Lutero se libertou totalmente de alguns desses ranços de sua formação católica. Nem poderia ser diferente. Quando ele escreveu as teses, era ainda um monge católico romano.
O que o catolicismo ensina a respeito de Cristo não é diferente daquilo que professamos em nossos credos. A encarnação, nascimento virginal, divindade, morte vicária e ressurreição são cridos e ensinados. O problema é que a Igreja Romana não crê na suficiência e exclusividade da obra de Cristo para a salvação. Maria é erigida à posição de intercessora e até co-redentora (não oficialmente, ainda) e os santos entram também com os méritos de sua intercessão para a obra salvífica. O autor católico, acima citado, assim se refere a Maria: No seu livro "Maria em Sua Vida Diária", o teólogo Bernardo Häring observa: "O Concílio Vaticano II coroou a Constituição Dogmática sobre a Igreja com um belo capítulo sobre Maria, como protótipo e modelo da Igreja. A Igreja não pode chegar a entender plenamente a união com Cristo e o serviço a seu Evangelho, sem um amor e um conhecimento profundos de Maria, Mãe de Nosso Senhor e nossa Mãe". Com uma visão penetrante na natureza profundamente pessoal da salvação, o Vaticano II abordou o influxo de Maria em nossas vidas.
Por ser mãe de Jesus, Maria é a Mãe de Deus. É o que afirma o Vaticano II: "Na Anunciação do Anjo, a Virgem Maria recebeu o Verbo de Deus no coração e no corpo, e trouxe ao mundo a Vida. Por isso, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor"(Lumen Gentium, nº 53).
Como Mãe do Senhor, Maria é uma pessoa inteiramente singular. Como seu Filho, ela foi concebida como ser humano (e viveu toda a sua vida) isenta de qualquer vestígio do pecado original, isto se chama sua Imaculada Conceição. Antes, durante e após o nascimento de seu filho Jesus, Maria permaneceu fisicamente virgem. No final da sua vida Maria foi assunta - isto é, elevada - ao céu, de corpo e alma; a isso chamamos sua Assunção.
Na qualidade de Mãe de Cristo, cuja vida vivemos, Maria é também a mãe de toda a Igreja. Ela é membro da Igreja, mas um membro totalmente singular. O Vaticano II exprime sua relação conosco como a de um membro supereminente e de todo singular da Igreja, como seu modelo... na fé e na caridade. "E a Igreja católica, instruída pelo Espírito Santo, honra-a com afeto de piedade filial como mãe amantíssima"(Lumen Gentium, nº 53).
Como uma mãe que aguarda a volta dos seus filhos adultos para casa, Maria nunca cessa de influenciar o curso de nossas vidas. Diz o Vaticano II: "Ela concebeu, gerou, nutriu a Cristo, apresentou-o ao Pai no templo, compadeceu com seu Filho que morria na cruz... Por tal motivo ela se tornou para nós Mãe, na ordem da graça"(Lumen Gentium, nº 61). "por sua maternal caridade cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam na terra rodeados de perigos e dificuldades, até que sejam conduzidos à feliz pátria"(Lumen Gentium, nº 62).
Essa Mãe, que viu seu próprio Filho feito homem morrer pelo resto de seus filhos, está esperando e preparando seu lugar para você. Ela é, nas palavras do Vaticano II, seu "sinal da esperança segura e do conforto" (Lumen Gentium, nº 68) (Ibidem)
Com relação aos santos, diz esse autor: A igreja venera também os outros santos que já estão com o Senhor no céu. São pessoas que serviram a Deus e ao próximo dum modo tão notável, que foram canonizados, isto é, a Igreja declarou oficialmente heróicos, e nos exorta a rezarmos a eles, pedindo sua intercessão por todos nós junto a Deus. E ainda, A Comunhão dos santos é uma rua de mão dupla:.. o Vaticano II afirma que, assim como você na terra pode ajudar aqueles que sofrem o purgatório, assim os que estão no céu podem ajudá-lo na sua peregrinação, intercedendo por você junto de Deus (Ibidem).
Embora a Igreja Católica não tenha ainda proclamado oficialmente o dogma de Maria como co-redentora, o que vem sendo buscado por muitos de seus cultuadores (até agosto de 1997 o atual papa já havia recebido 4.340.429 assinaturas de 157 países solicitando que ele exercesse o poder da sua infalibilidade para proclamar o dogma de que "a Virgem Maria é co-redentora, mediadora de todas as graças e advogada do povo de Deus", cf.
http://www.msantunes.com.br/juizo/odesvirt.htm), na prática ela é assim considerada e com o apoio e ensino explícito do clero. No boletim diocesano da cidade de Itabuna (BA), assim se expressa Dom Ceslau Stanula, bispo da diocese: "Maria Co-Redentora - Mês de maio, um dos mais lindos do ano, a humanidade dedicou a Nossa Senhora. Quase em todas as igrejas e capelas diariamente neste mês, o povo se reúne para cantar ladainhas e louvores a nossa Senhora. Nossa Senhora é invocada, venerada e cultuada pelas razões muito profundas e bíblicas. Maria é a Mãe de Jesus que é Deus, Filho de Deus nosso Salvador, e portanto ela é a Co-Redentora da humanidade". E para consusbstanciar sua declaração cita documento do Concílio Vaticano II que diz: "Assim de modo inteiramente singular, pela obediência, fé, esperança e caridade, ela cooperou na obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas. Por tal motivo ela se tornou para nós mãe na ordem da graça". (LG 61)
(http://www.snow.icestorm.net/siteverde/boletim1.htm)
Certamente este não é o ensino da Bíblia. Ela nos diz que "há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem" (1Tm 2:5), que, "por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles" (Hb 7:25) e que "não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At 4:12). Não precisamos de intercessão de Maria ou dos santos, nem têm eles qualquer poder para tal. Quem disse "na casa de meu Pai há muitas moradas... vou preparar-vos lugar", foi Jesus e não Maria (Jo 14:2). A obra de Cristo é suficiente para a nossa salvação. Maria e todos os demais crentes só puderam ser salvos pela graça e mediação eficaz de Cristo. Assim cantou ela: "A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na humildade da sua serva. Pois, desde agora, todas as gerações me considerarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas. Santo é o seu nome" (Lc 1:46-49). Quando o povo de Listra quis adorar a Paulo e Barnabé, sua resposta foi a seguinte: Senhores, por que fazeis isto? Nós também somos homens como vós, sujeitos aos mesmos sentimentos, e vos anunciamos o evangelho para que destas coisas vãs vos convertais ao Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que há neles (At 14:15). Os verdadeiros santos nunca reivindicaram qualquer poder, glória ou honra para si mesmos. Certamente é falsa esta aspiração atribuída a Maria: "Até que eu seja reconhecida no lugar em que a Santíssima Trindade desejou que eu estivesse, eu não poderei exercer meu poder totalmente, no trabalho materno de co-redenção e de mediação universal das graças... (Nossa Senhora a Padre Gobbi,
14/06/80)" (http://www.geocities.com/Athens/Delphi/3665/milesp2.html)
Uma outra conseqüência do princípio do Solus Christus foi a doutrina que ficou conhecida como a do "Sacerdócio Universal dos Crentes". Não necessitamos de outro sacerdote ou mediador entre nós e Deus que não seja o Senhor Jesus Cristo. Cada um pode chegar-se a Ele diretamente, sem intermediários humanos. Como diz o autor aos Hebreus: "Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna" (Hb 4:14-16).
A Reforma trouxe à Igreja o Evangelho simples dos apóstolos, centrado na suficiência e exclusividade da obra de Cristo para a salvação. A velha confissão de Paulo foi de novo a confissão dos reformadores: "Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado" (1Co 2:2)

3. Sola Gratia
"Somente a Graça" - ou a causa eficiente única da salvação

Intimamente ligado ao princípio do Solus Christus está o da Sola Gratia. A Bíblia ensina que o homem é totalmente incapaz de fazer qualquer coisa para a sua salvação. Está espiritualmente morto em delitos e pecados. Um morto nada pode fazer sem que antes seja vivificado. Paulo ensina como se operou a nossa salvação: "Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados ... e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela graça sois salvos" (Ef 2:1,5). Foi "pela graça", diz Paulo, que fomos vivificados, estando nós mortos. A doutrina da inabilidade total do homem para salvar-se foi um dos marcos da Reforma. No seu livro De Servo Arbitrio ("A Escravidão da Vontade"), Lutero nega que o homem tenha livre arbítrio, ou seja, a capacidade de escolher entre o bem e o mal, depois da queda. Vendido ao pecado, o homem não tem mais a habilidade para escolher o bem, pois sua vontade está presa ou escravizada pelo pecado. Só pode e só quer escolher o pecado. A salvação é, portanto, exclusivamente ato da livre e soberana graça de Deus. Não só Calvino, como geralmente se pensa, mas também Lutero e os demais reformadores deram grande ênfase na necessidade da graça soberana de Deus para a salvação do homem. É por isso que a eleição divina é incondicional.
Todavia, não era isso que a Igreja ensinava nos dias da Reforma. O catolicismo, seguindo o pensamento de Pelágio e, principalmente, de Tomás de Aquino, acreditava e ainda acredita que o homem não está totalmente corrompido em sua vontade e natureza. Ele precisa da graça de Deus, mas não no sentido regenerador, como cremos. Segundo a teologia romana o homem pode conhecer a Deus através de sua razão, conhecimento que é chamado de Teologia Natural. O documento 1806 (Denzinger) do Concílio Vaticano I (1869-1870) diz: "(Contra os que negam a teologia natural) - Qualquer que disser que o Deus verdadeiro, nosso Criador e nosso Senhor, não pode ser conhecido com verdadeira exatidão pelas coisas que foram feitas, pela luz natural da razão humana, seja anátema (cf. 1785) (Cf. Denzinger 1810, 1812, 1816) (cf F.H. Klooster, Introduction to Systematic Theology (Grand Rapids: Calvin Theological Seminary, 1985, pp. 182-183).
No artigo católico que temos citado, encontramos como eles entendem o pecado original: Com exceção de Jesus Cristo e de sua Mãe Maria, todo ser humano nascido neste mundo está contaminado pelo pecado original. Como São Paulo declara em Rom, 5, 12: "Por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e pelo pecado a morte, e assim a morte passou a todos os homens porque todos pecaram".
Embora continue a mostrar que há o mal neste mundo, a Igreja não está sugerindo que a natureza humana esteja corrompida. Ao contrário, a humanidade é capaz de fazer muito bem. Não obstante sintamos uma "tendência para baixo", ainda mantemos o controle essencial sobre nossas decisões. Permanece a vontade livre. E - o que é mais importante - Cristo, nosso Redentor, venceu o pecado e a morte pela sua morte e Ressurreição. Essa vitória cancelou não apenas nossos pecados pessoais, mas também o pecado original e seus propalados efeitos. A doutrina do pecado original, portanto, entende-se melhor como um escuro pano de fundo contra o qual pode ser aplicada, fazendo contraste, a brilhante redenção adquirida para nós por Cristo, nosso Senhor. (http://www.geocities.com/Augusta/3540/doutrina.htm).
Assim, o catolicismo estabeleceu os sacramentos da Igreja (que para eles são sete e não dois) como meios pelos quais o problema do pecado pode ser tratado e a graça recebida. A Igreja torna-se medianeira ou mediadora da graça de Deus. Daí o ensino de que "fora da Igreja não pode haver salvação", entendida "Igreja" aqui não como o número total dos eleitos (sentido espiritual) mas como a organização (visível) que, supostamente, detém o poder de distribuir e administrar a graça de Deus. No século XVI o cardeal Roberto Belarmino assim descreveu a Igreja Romana: "A única e verdadeira Igreja é a comunidade de homens reunidos pela profissão da mesma fé cristã e pela comunhão dos mesmos sacramentos, sob o governo dos legítimos pastores e especialmente do vigário de Cristo na terra, o Romano Pontífice" (Ibidem). Mas vem de longa data esse ensino. Assim se expressaram alguns dos papas do passado: Papa São Gregório I (590-604): "Agora a Santa Igreja Universal proclama que apenas dentro dela Deus pode ser realmente adorado, e que fora dela ninguém pode ser salvo." Papa Inocêncio III (1198-1216): "Realmente, existe apenas uma Igreja Universal dos fiéis, fora da qual ninguém é salvo. (...) Cremos com nossos corações e confessamos com nossos lábios que existe apenas uma Igreja, não a dos hereges, mas a Santa Igreja Católica e Apostólica Romana, fora da qual acreditamos que ninguém pode ser salvo." Papa Bonifácio VIII (1294-1303): "Nós declaramos, dizemos, definimos e proclamamos que é absolutamente necessário para a salvação de toda a criatura humana estar sujeita ao Pontífice Romano." Papa Eugênio IV (1431-1439): "A Santa Igreja Romana acredita, professa e prega que todo aquele que permanece fora da Igreja Católica, não apenas os pagãos, mas também judeus, heréticos e cismáticos, não tomarão parte da vida eterna, mas irão para o fogo perpétuo, que foi preparado para o diabo e seus anjos, a não ser que antes da morte eles se unam à Igreja. É de tal modo importante a união com o corpo da Igreja, que seus sacramentos são úteis para a salvação apenas para aqueles que permanecem dentro dela, e jejuns, esmolas e outros trabalhos piedosos, assim como a prática da guerra cristã, só proporcionarão recompensas eternas a eles tão-somente." Papa Leão X (1512-1517): "Onde a necessidade de salvação se referir a todos os fiéis de Cristo, deverá estar sujeita ao Pontífice Romano, como nos foi ensinado pelas Sagradas Escrituras, pelo testemunho dos santos padres e pela constituição do nosso predecessor de feliz memória, Bonifácio VIII." http://www.msantunes.com.br/juizo/odesvirt.htm.
E não pensemos que a Igreja Romana mudou. Recentemente o cardeal Joseph Ratzinger, da Congregação para a Doutrina da Fé, o novo nome da velha "Congregatio Propaganda Fide", mais conhecida como Inquisição, "causou escândalo" por afirmar na declaração Dominus Iesus, aprovada pelo papa, que "a Igreja Católica é o verdadeiro caminho para a salvação" (Folha de S. Paulo, de 27/09/2000, p. E8). Os mais ingênuos, que acreditam na sinceridade do diálogo do Vaticano com as outras religiões (ecumenismo), consideraram isso um retrocesso. Nada mais óbvio para a Igreja Católica, que jamais abdicará desta posição, sob pena de admitir seus erros e reconhecer-se falível.
É por essa razão que a Igreja se julgava no direito de distribuir o perdão de pecados através da venda das indulgências, pela prescrição de penitências e outros atos de contrição. Foi a Reforma que trouxe à luz a verdade da Sola Gratia, ensinada nas Escrituras. Onde a total inabilidade do homem for negada e os pretensos méritos humanos forem cridos, não haverá verdade bíblica. O homem nem mesmo pode cooperar com a graça regeneradora do Espírito. A salvação não é, em nenhum sentido, obra humana. Não são os métodos ou técnicas humanas que operam a salvação, mas tão somente a graça regeneradora do Espírito. A fé não pode ser produzida por uma natureza decaída e morta. "Pois nós também, outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados, escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo em malícia e inveja, odiosos e odiando-nos uns aos outros. Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador" (Tt 3:3-5)

4. Sola Fide.
"Somente a Fé"- ou a exclusividade da Fé como meio de Justificação

Falando da eleição, Paulo argumenta: E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça (Rm 11:6). A graça exclui totalmente as obras. O homem nada pode e nada tem para oferecer a Deus por sua salvação. A única coisa que lhe cabe fazer é aceitar o dom da salvação, pela fé, quando esta lhe é concedida. Fé na obra suficiente de Cristo, que lhe é imputada (creditada em sua conta) gratuitamente. Essa obra consiste na sua vida de perfeita obediência à lei de Deus, em lugar do homem, obediência que nem Adão nem qualquer de sua descendência pôde prestar, dada a sua condição de morte espiritual. Por isso Cristo é chamado de o segundo ou o último Adão (1Co 15:45). Ela consiste também, e principalmente, de sua morte sacrificial em lugar do pecador eleito, através da qual é pago o preço exigido pela justiça de Deus para a justificação. A justiça de Deus exige punição do pecado. Ele é aquele que "não inocenta o culpado" (Ex 34:7). Exige justiça perfeita. Para que Deus pudesse punir o pecador, mas ao mesmo tempo declará-lo justo (que é o significado bíblico de justificar), foi preciso que alguém, sem culpa e com méritos divinos, assumisse o seu lugar. Foi o que o próprio Deus fez através de Cristo. Assumiu a culpa do pecador eleito e morreu em seu lugar, satisfazendo assim a justiça de Deus, ofendida pela pecado. Nada menos do que isso foi suficiente para justificar o pecador. É o que se chama na teologia de "expiação". Desta forma, Paulo pôde falar em Deus como "aquele que justifica o ímpio" (Rm 4:5) e da morte de Cristo como a manifestação da sua justiça, para que ele pudesse ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. Diz ele: "sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus" (Rm 3: 24-26). É por isso também que os reformadores chamavam o crente de simul justus et peccator – ao mesmo tempo justo e pecador.
Esta foi a doutrina central da Reforma. Lutero, de início, não podia compreender como a "justiça de Deus se revela no evangelho" ("visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé". Rm 1:17). Para ele, a justiça de Deus só poderia condenar o homem, não salvá-lo. Tal justiça não seria "boas novas" (evangelho). Só quando compreendeu que a justiça de que Paulo fala nesse texto não é o atributo pelo qual Deus retribui a cada um conforme os seus méritos (o que implicaria em condenação para o homem), mas o modo como Ele justifica o homem em Cristo, é que a luz raiou em seu coração e a verdade aflorou em sua mente. Tornou-se, então, um homem livre, confiante e certo do perdão dos seus pecados. Compreendeu o evangelho! O Evangelho é a manifestação dessa justiça de Deus, que é recebida somente pela fé. Não é produzida pelas obras, pois o homem não as tem. ("Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado"... "concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" Rm 3:20,28).
É pela fé que o justo viverá. Quando Paulo cita esta passagem de Habacuque, ele a usa para ensinar que é através da fé, e não das obras, que alguém é declarado justo em Cristo. Isto está mais claro na outra citação em Gl 3:11, quando ele diz: "E é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé". Cristo é a justiça de Deus ("mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção" – 1Co 1:30) e pela fé nele nós também somos feitos "justiça de Deus" ("Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus" (2Co 5:21). A fé, todavia, é apenas o meio, dado pelo próprio Deus, pelo qual essa justiça é imputada ao pecador, não a sua causa ou motivo. Do contrário, a própria fé seria "obra humana". Per fidem propter Christum – "pela fé, por causa de Cristo", como deixou claro a Reforma. A fé não é a base nem a causa meritória da justificação, mas o meio pelo qual ela é comunicada.
Quão longe estava a Igreja dessa verdade simples do Evangelho quando ensinava que o perdão podia ser comprado com dinheiro e a salvação adquirida com o mérito dos santos. Tetzel, o vendedor das indulgências do Papa Leão X na Alemanha, dizia que "ao som de cada moeda que cai neste cofre, uma alma se desprende do purgatório e voa até o paraíso", refrão que seus ridicularizadores rimaram no que em português equivaleria a "no que a moeda na caixa cai, uma alma do purgatório sai"("sobald das Geld im Kasten Klingt, di Seele aus dem fegfeuer springt")(http://www.infohouse.com.br/usuarios/zhilton/Luteranismo.html).
Mas não pensemos que a Igreja Católica mudou. Ainda agora, neste ano considerado o do Jubileu 2000, o Vaticano criou novas indulgências para reduzir ou anular as penas dos pecados. Um "Manual de Indulgência", de 115 páginas, apresenta algumas das obras que podem aliviar a punição dos pecadores no purgatório, dentre as quais estão um dia sem fumar, rezar com o Papa em frente à televisão, ajudar refugiados, orar mentalmente com surdos-mudos, não comer carne, etc, (cf. artigo "Igreja Católica cria novas indulgências", Folha de S. Paulo de 19/09/2000), além das que são permanentemente concedidas como visitar o Vaticano e peregrinar por lugares sagrados. Isto na mesma época em que a Igreja assinou, juntamente com luteranos da Federação Luterana Mundial, um acordo em que os dois grupos professam que : " a salvação decorre da graça de Deus e não das boas obras; só se chega à salvação pela fé; e, embora não levem à salvação, as boas obras são conseqüência natural da fé" (cf. artigo "Católicos e luteranos se reconciliam", da mesma edição da Folha de S. Paulo, já citada). O acordo não é levado a sério pelos que conhecem o catolicismo e o modo como age, e recebeu críticas inclusive da parte de igrejas luteranas fiéis à sua origem. É visto apenas como uma manobra para promover o ecumenismo e, principalmente, para combater o mercantilismo das igrejas neo-pentecostais, que vêm tirando adeptos das igrejas tradicionais, principalmente do catolicismo, com sua pregação da "teologia da prosperidade" (cf. artigo "Acordo visa combater ‘mercantilismo’", da referida edição da Folha).
A ênfase na doutrina da justificação somente pela fé é tão oportuna e necessária agora quanto nos dias de Lutero, e não só porque o catolicismo não mudou, mas porque o protestantismo mudou. São poucos os evangélicos hoje que ainda dão ênfase ao aspecto objetivo da justificação unicamente pela fé. Experiências subjetivas, avivamentos emocionais, respostas a apelos e outras práticas estão tomando o lugar da pregação dos temas chaves da Reforma. As doutrinas do pecado original, da expiação vicária, da eleição incondicional e da justificação somente pela fé estão sendo negadas hoje por muitos evangélicos que buscam uma acomodação à cultura da modernidade.

5. Soli Deo Gloria
"A Deus somente, a glória"- ou a exclusividade do serviço e da adoração a Deus

Coroando estes temas que a Reforma nos legou está o da "glória somente a Deus". Dar glória somente a Deus significa que ninguém, nem homens nem anjos, deve ocupar o lugar que pertence a Ele, no mundo e em nossa vida, porque somente Ele é o Senhor. É o que exige o 1º mandamento: "Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim" (Ex 20:1-2). A história do homem é uma história de quebra desse mandamento. Depois do pecado, o homem tem constituído deuses para si em lugar do Deus verdadeiro. Geralmente, esse deus é ele próprio. Quando decide o que deve ou não crer, o que pode ou não ser verdadeiro, está dizendo que ele é o seu próprio deus. Sua razão (distorcida pelo pecado) é o seu critério de verdade. Quando a Igreja se coloca na posição de julgar o que deve ou não aceitar da Bíblia, e se arvora em sua intérprete infalível, está assumindo para si o lugar de Deus. Quando ela prega a devoção a Maria e aos santos (ainda que diga que venera mas não adora), está usurpando a Deus da prerrogativa de sua glória exclusiva ("Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura"; Isa 42:8). A doutrina católica, com sua ênfase nos méritos e obras humanos, rouba a Deus de sua glória exclusiva.
A glória de Deus é o fim para o qual Ele criou todas as coisas. Não é só o fim principal do homem (conforme o nosso Breve Catecismo), mas o fim de todas as coisas. É o fim do próprio Deus, como crê John Piper, porque Ele é o bem supremo (cf. Desiring God, Leicester: Inter-varsity Press, 1990, p. 13). Todas as coisas, e isso inclui a salvação, visam a glória de Deus, não o bem estar dos homens (Ef 1:6,12,14). Por isso Deus é glorificado também nos que se perdem. É o que chamamos de "teocentrismo".
Michael Horton afirma que Lutero lutou para distinguir sua obra de ‘reformas’ anteriores. Semelhantes a muitos dos movimentos frenéticos de reforma, renovação e avivamento dos nossos dias, as outras reformas se preocupavam com moralidade, vida da igreja e mudanças estruturais, mas Lutero disse: ‘Nós visamos a doutrina’. Não que fossem sem importância essas outras áreas, mas seriam secundárias. Contudo, com sua ‘Revolução Copernicana’, nasceu um movimento teocêntrico que teve enormes efeitos sobre a cultura mais ampla. A orientação da vida e do pensamento centrados em Deus começou no culto, em que o enfoque era na ação de Deus em sua Palavra e sacramento, em vez de estar em deslumbrar e entreter as pessoas com pompa e aparato. Quando os crentes estavam centrados em volta de Deus e sua obra salvífica em Cristo, seus cultos ajustavam sua visão a outro grau: deixavam de servir como pessoas mundanas para verem-se como pecadores redimidos, cuja vida só poderia ter um propósito: glorificar a Deus e gozá-lo para sempre" (Reforma Hoje, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p.124).
E foi devido a esse conceito de que vivemos para Deus e de que para ele devemos fazer o melhor que a Reforma contribuiu para uma grande revolução não só no campo religioso, mas no mundo das artes, da ciência e da cultura em geral. Soli Deo Gloria passou a ser o lema não só de reformadores, mas de músicos (como Bach), pintores (como Rembrandt) e escritores (como Milton), que apunham às suas obras esta expressiva dedicatória ( Ibidem)
Esta visão teocêntrica a Reforma encontrou na Bíblia. Depois de tratar das doutrinas da salvação, Paulo declara: "Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!" (Rm 11:36) e, ao concluir sua epístola aos Romanos, louva ao Senhor com estas palavras: "ao Deus único e sábio seja dada glória, por meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém! (16:27). A glória de Deus também foi o tema do cântico dos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, e de todas as criaturas que João ouviu em suas visões, os quais diziam: "Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor" (Ap 5:12) e ‘"Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos" (Ap 5:13) e ainda "Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação...O louvor, e a glória, e a sabedoria, e as ações de graças, e a honra, e o poder, e a força sejam ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amém!" Ap 7:10-12.
Quero concluir citando a esse respeito as palavras de James M. Boice, ex-pastor da 10ª Igreja Presbiteriana da Filadélfia, recentemente falecido. Ele diz: Meu argumento é que o motivo pelo qual a igreja evangélica atual está tão fraca e o porquê de não experimentarmos renovação, embora falemos sobre nossa necessidade de renovação, é que a glória de Deus foi, em grande, parte esquecida pela igreja. Não é muito provável vermos avivamento de novo enquanto não recuperarmos as verdades que exaltam e glorificam a Deus na salvação. Como podemos esperar que Deus se mova entre nós, enquanto não pudermos dizer de novo, com verdade: "Só a Deus seja a glória"? O mundo não pode dizer isso. Ao contrário, está preocupado com sua própria glória. Como Nabucodonozor, ele diz: Veja essa grande Babilônia que construí pelo meu poder e para minha glória" . Os arminianos não podem dizê-lo. Podem dizer "a Deus seja a glória", mas não podem dizer "só a Deus seja a glória", porque a teologia arminiana tira um pouco da glória de Deus na salvação e a dá para o indivíduo, que tem a palavra final em dizer se vai ou não ser salvo. Mesmo aquelas pessoas do campo reformado não podem dizê-lo, se o principal que estão tentando fazer nos seus ministérios é edificar seus próprios reinos e tornar-se importantes no cenário religioso. Nunca vamos experimentar a renovação na doutrina, no culto e na vida enquanto não pudermos dizer honestamente: "só a Deus seja a glória" (Reforma Hoje, pp. 192-193).
A Reforma nos legou esses grandes temas, que são doutrinas preciosas da Bíblia. Cabe a nós hoje, seus legatários, dizer se somos ou não dignos herdeiros dessa herança e continuadores dessa obra. O que cremos e o que pregamos representa nossa resposta.

João Alves dos Santos

sexta-feira, junho 09, 2006

Lutero e osTrês Princípios do Protestantismo.

A fé protestante se originou em um tempo de escândalo quando Zohann Tetzel, um monge dominicano apareceu na Alemanha e foi por todos os lugares vendendo certificados de indulgências.
Era outono de 1517 quando o escândalo começou. Tetzel prometeu aos seus ouvintes que eles poderiam obter a remissão dos pecados das pessoas queridas que já haviam morrido e ido para o purgatório. Consequentemente, pessoas piedosas juntaram seus bens e correram para Tetzel para comprar estes documentos, pois isto parecia ser o requisito de caridade cristã - para que os entes queridos fossem libertos dos tormentos do purgatório e tivessem a entrada no céu assegurada. De fato, Tetzel levou pessoas a crerem que podiam obter o perdão meramente ao colocarem suas moedas no seu cofre-caixa e levando em troca os certificados oferecidos por ele. Para tornas sua campanha mais popular, Tetzel recitava o seguinte jingle: "Assim que a moeda no cofre tilintar, a alma do purgatório irá saltar". As pessoas pareciam vir de todos os lugares, procurando libertar seus queridos das chamas da punição.
O purgatório, no ensino da igreja medieval, era retratado como um lugar de punição temporal pelos pecados; O tempo que a pessoa deveria passar lá seria determinado pelo número e gravidade das ofensas. Quando uma pessoa havia sido completamente purgada, ela estaria liberada para ir para o céu.
Informações a respeito das atividades de Tetzel logo chegaram à Universidade de Winttemberg onde o Doutor Martin Luther(Martinho Lutero) Professor de Teologia, as recebeu com consternação. Ao invés de reagir com uma esperança feliz que caracterizava a reação das pessoas que estavam comprando os documentos de Tetzel, Lutero ficou enfurecido. Ele falou vigorosamente contra estas atividades e denunciava
todo negócio como um escândalo de imensas proporções e defendia que a igreja tinha que ser salva deste terrível tráfico de indulgências. Lutero foi para frente da porta da igreja do castelo de Wittemberg, com um documento em uma mão, um martelo na outra e afixou na porta uma lista com noventa e cinco protestos contra a venda das indulgências. Ele também disse ao povo que estava sobre os seus cuidados que eles haviam sido cruelmente enganados. Os certificados de indulgências não prometiam a remissão de pecados e não podia garantir a salvação deles ou dos seus parentes mortos. O povo humilde alemão e a população comum das cidades não sabiam ler latim e os certificados estavam impressos em latim. Tetzel havia apostado na ignorância do povo quando os incentivava a acreditar que haviam obtido benefícios que não sequer escritos nos tais documentos.
De acordo com os ensinamentos da igreja católica, a igreja tem a custódia dos Tesouros dos Méritos que são adquiridos pelos grandes santos que haviam excedido as boas obras necessárias para sua salvação. Este excesso de méritos se tornava uma fonte da qual a igreja poderiam distribuir méritos aos que estavam deficientes, e a indulgência se tornou o meio pelo qual os pecadores necessitados poderiam obter méritos desta tesouraria. Nos anos entre 1460-1470, o Papa Sixtus IV declarou que os benefícios obtidos através das indulgências poderiam ser transferidos para os crentes que há haviam ido para o purgatório.
Lutero, inflamado de indignação, desafiou a venda de indulgências e exigiu que toda esta questão fosse discutida pelos estudiosos da Universidade. Ele convidou alguns colegas acadêmicos para um debate público a respeito das 95 teses ou objeções, que ele havia escrito sobre a venda de indulgências. Lutero assim iniciou um protesto que atraiu muitos seguidores, e logo, os que se uniram ao protesto ficaram conhecidos como os "Protestantes".
A palavra "Protestante", de acordo com a definição do dicionário, é "um membro de algumas igrejas cristãs que terminaram se separando da igreja católico romana desde o século XVI: Batistas, Presbiterianos, Metodistas e muitos outros"; ou "uma pessoa que protesta".
Foi no dia 31 de outubro de 1517 quando Martinho Lutero afixou os seus protestos na porta da igreja do castelo. Ele protestava contra os abusos e as corrupções ligadas a venda de indulgências e denunciava o ensino de que o perdão dos pecados poderia ser obtido através de "contrição, confissão e contribuição". Nesta época a igreja ensinava que o perdão dos pecados vinha através do sacramento da penitência quando o padre, representando Jesus Cristo, absolvia o pecador que confessava seus pecados, expressava arrependimento e contrição e dava uma contribuição à igreja, como penitência. Lutero falou com coragem contra as indulgências e a crença de que o perdão seria realizado através delas ou de contrição, confirmação e contribuição. A tese de número 32 das 95 escritas por Lutero diz o seguinte: "Aqueles que crêem que podem garantir a salvação por terem cartas de indulgências serão condenados eternamente juntamente com seus professores". Através deste gesto dramático, Lutero começou uma tentativa de reformar a igreja, de trazê-la de volta às origens bíblicas e à salvação ensinadas nas Escrituras, para restaurar a pureza da fé do Novo Testamento. Ele, é claro, não tinha a intenção de se tornar o fundador de uma igreja separada protestante. De fato, Lutero, naquele ponto, acreditava que o papa ficaria agradecido por um dos seus monges ter tido a coragem de se levantar para defender a igreja contra este abuso escandaloso. Lutero não sabia que esta corrupção já havia permeado a cúpula em Roma. Nem tão pouco que o para Leão X e Albrecht, o arcebispo de Mainz, haviam organizado a venda de indulgências e apontado Tetzel como seu representante. Ao contrário de gratidão, Leão X estava totalmente enfurecido com as ações de Lutero.
O protesto de Lutero não era de todo negativo, e a palavra "protestante" realmente não é um termo pejorativo. A palavra é derivada do latim, da preposição PRO, que significa "para", e o infinito TESTARE, "testemunho". Um protestante, então, é um que testemunha - um protestante é uma testemunha de Jesus Cristo e da Palavra de Deus. O protestantismo, então, não é meramente o protesto contra a corrupção eclesiástica e o falso ensinamento; é o reavivamento, o renascer da fé bíblica, um renascer do cristianismo do Novo Testamento, com uma ênfase positiva sobre as doutrinas das Escrituras, Graça e Fé. Dito no belo latim do século XVI, o Protestantismo proclama SOLA SCRIPTURA, SOLA GRATIA, SOLA FIDE. Estes são os três princípios do protestantismo.
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SOLA SCRIPTURA: Onde a Bíblia afirma ser a Palavra de Deus, o verdadeiro Protestantismo aceita esta declaração como a verdade. Os protestantes acreditam, como Paulo, que toda a Escritura é "inspirado por Deus", que a Bíblia é o guia para a salvação e que é através da Palavra escrita de Deus que o crente se torna "perfeitamente habilitado para toda boa obra".(II Tm.3:17) Os protestantes atribuem à Bíblia exatamente a mesma autoridade que Jesus Cristo atribuíra à Bíblia da sua época. Disse Jesus: "Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i ou til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra".(Mt.5:17-18)
Por ficar ao lado de Jesus nesta questão da autoridade da Bíblia, o Protestantismo renuncia a autoridade das tradições humana. Quando Jesus debateu com os fariseus, ele respondeu às suas críticas com a seguinte acusação: "... E assim invalidastes a Palavra de Deus, por causa da vossa tradição".(Mt.15:6) Jesus muitas vezes contradizia as tradições dos homens, mas ele cumpria, mantinha e defendia a Palavra de Deus. No Sermão do Monte Jesus expôs a confiança dos judeus na tradição rabínica quando disse: "Ouvistes o que foi dito aos antigos... Eu, porém, vos digo...".(Mt.5:21-22) Desta maneira Jesus contradizia os ensinamentos tradicionais dos rabinos que haviam pervertido a Palavra de Deus através de falsas interpretações. Jesus disse, em outras palavras: "Esqueçam o que os rabinos lhes ensinaram e ouçam o que eu digo, pois a minha palavra é a Palavra de Deus". Quando comparada ao Velho Testamento, as palavras de Jesus são, realmente, a Palavra de Deus.
Lutero combateu a venda de indulgências e das outras superstições da igreja medieval porque ele percebeu que estas coisas não estavam baseadas na Bíblia. No entanto, ele se tornou a figura central de uma controvérsia intensa. O papa e o imperador se tornaram contra Lutero violentamente, e os príncipes da Alemanha receberam ordens para avançarem contra ele. O papa exigiu que Lutero se apresentasse em Roma para responder às acusações que pesavam contra ele. Lutero, no entanto, tinha um protetor, Frederico o Sábio, Príncipe da Saxônia. Frederico sabia que Lutero não receberia uma chance justa em um tribunal em Roma. Se ele teria de ser julgado, teria que ser em um tribunal na Alemanha. Finalmente, tudo foi organizado, e em abril de 1521, o "santo imperador romano", Carlos V foi à pequena cidade de Worms, na Alemanha, onde ele havia convocado uma assembléia imperial.
Lá em Worms, estavam unidos os bispos, arcebispo, príncipes do Império, representantes das cidades livres e bem no alto, acima de todos esta o augusto Carlos V, Rei da Espanha e 'santo imperador de Roma'.
Diante daquela assembléia imponente esta o humilde monge Agostiniano, Martinho Lutero, vestido com seu capuz de monge, de pé diante de uma mesa onde estavam folhetos e tratados escritos e publicados por ele. Johaun Von Eck, assistente do Arcebispo de Trier, que serviu como interrogador, mandou Lutero reconhecer o material como sendo seu mesmo, e Lutero assumiu a autoria de todo o material. Eck também perguntou se o teólogo iria se retratar das "heresias" que havia publicado. Percebendo a importância da sua postura, Lutero pediu um tempo para escrever uma resposta formal. Foram-lhe concedidas 24 horas para preparar a sua resposta e no dia seguinte ele estava diante da Assembléia e pronunciou o discurso que mudou o curso da História e modificou a Igreja para sempre. O mundo e a Igreja jamais voltaram a ser os mesmo depois que Lutero fez a sua declaração arrebatadora.
Um simples monge e um teólogo obscuro, sem fortuna ou poder, Lutero ficou diante dos governantes da Alemanha e disse: "Desde que vossa serena majestade e vossas senhorias buscam uma resposta simples, eu a darei assim, sem chifres nem dentes. A menos que seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou por mera razão (pois não confio nem no papa nem nos concílios somente, pois é bem sabido que eles freqüentemente erram e se contradizem), eu estou atado pelas Escrituras que já citei, e a minha consciência é escrava da Palavra de Deus. Eu não posso e não irei me retratar de nada, já que não é seguro nem correto agir contra a consciência".
Lutero talvez estivesse ali tremendo, pois ele sabia que havia arriscado sua vida por Jesus Cristo. Outros que haviam tomado este tipo de atitude antes de Lutero haviam sido queimados como traidores. De fato, o reformador John Hus havia sido queimado por ordem do Concílio de Constança 100 anos antes, e entre os crimes que o levaram a morte, foi ter protestado contra a venda de indulgências!
Ao defender o seu ponto de vista diante daquela Assembléia, Lutero sabia que a sua vida corria um grande risco. O imperador, em favor de Lutero, manteve a sua palavra de que Lutero poderia ir até Worms e sair de lá em segurança, mas a partir daquele momento seria considerado herege diante da Igreja e um fora-da-lei aos olhos do imperador. Lutero havia proclamado o princípio que estava destinado a ecoar através dos tempos, o princípio de SOLA SCRIPTURA. Aqueles que acreditam como ele, anda defendem só as Escrituras e, como Lutero, as suas consciências estão "presas à Palavra de Deus".
Pouco depois do protesto de Lutero e de ter iniciado a Reforma da Igreja na Alemanha, outros, em várias partes do mundo cristão, também se voltaram para a Bíblia e nela descobriram as verdades que haviam ficado obscuras através dos séculos de tradições eclesiásticas. Nas montanhas da Suíça, João Calvino surgiu como um líder da Reforma. Ele, como Lutero, se tornou um fervoroso estudante da Bíblia, e para ele, também, a Escritura era a autoridade suprema. Calvino, falando a respeito do Livro Sagrado, disse: "Os profetas não falavam por vontade própria, eles eram instrumentos do Espírito Santo usados para dizer apenas o que era enviado dos céus". Os protestantes suíços, como seus irmãos alemães, eram protestantes verdadeiros pois sempre exigiam que cada assunto fosse testado pela autoridade de SOLA SCRIPTURA.
Eles também não confiavam nos papas nem nos concílios, pois as suas consciências estavam cativas ou presas à Palavra de Deus. O Protestantismo genuíno em qualquer lugar declara que a Bíblia, unicamente a Bíblia, é a autoridade da fé cristã e de prática de vida, pois esta é a fé dos nossos pais, "a fé que uma vez por todas foi entregue aos santos". (Jd.3)
Entre as declarações protestantes de confiança na verdade e na confiabilidade das Escrituras, a da confissão de Fé de New Hampshire é majestosa e inequívoca. Aquela afirmação batista diz: "Nós cremos que a Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados, e que é um perfeito tesouro de instrução celestial; que Deus é o seu autor, a salvação o seu propósito, e a verdade, sem qualquer mistura de erro em sua essência revela os princípios pelos quais Deus irá julgar-nos, e então é, e irá permanecer até o fim do mundo, o verdadeiro centro da união cristã, e o padrão supremo pelo qual toda a conduta humana, credos e opiniões devem ser testadas".
Com esta afirmação retumbante de SOLA SCRIPTURA todos os verdadeiros cristãos irão concordar. SOLA SCRIPTURA é o fundamento indispensável da fé cristã. Se a Igreja do século XX não for fiel em proclamar SOLA SCRIPTURA, chegou a hora de outro protesto, um protesto contra os projetos humanos e a favor da Palavra de Deus.
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SOLA GRATIA: O Protestantismo, já que é baseado nas Escrituras, ensina que o homem pecador não tem qualquer esperança de salvação através de seu próprio esforço, pois os protestantes sabem que a Bíblia diz claramente: "Pela graça sois salvos, por meio da fé - isto não vem de vós, é Dom de Deus - não de obras, para que ninguém se glorie" (Ef. 2:8-9). O Protestantismo, assim, nega todos os esquemas de salvação que promovem o homem e suas atividades e cerimônias religiosas como meio de vida eterna e perdão. Insiste ainda que a salvação vem através do puro e imerecido favor de Deus, pela graça somente. SOLA GRATIA é um ensinamento cardeal da fé protestante. Os protestantes sabem que o homem é deficiente tanto no querer quanto na habilidade de agradar a Deus e de ganhar ou conquistar a salvação. Lutero descreveu o estado pecaminoso do homem como sendo a condição de arbítrio escravo (escravidão da vontade).
O homem, em sua insensatez, pensa que é livre, mas ele está realmente escravizado pelo pecado e por Satanás. Jesus disse: "... Todo o que comete pecado é escravo do pecado"(Jo.8:34). O homem possui um tipo de liberdade, é claro. De fato, ele é livre para fazer o que quer, mas o que ele quer é pecar! Os desejos pecaminosos o levam cada vez mais a pecar e cada vez mais para longe de Deus, vivendo em pecado, amando o pecado, e se não for pela misericórdia de Deus, morrendo em pecado. A escravidão do homem é tão completa que ele fica alegremente desapercebido da sua condição de escravo.
Lutero refletia a respeito da trágica condição do homem caído e a descrevia desta maneira: "Eu creio que não posso por minha própria razão ou força, acreditar em Jesus Cristo meu Senhor, ou buscá-lo; mas o Espírito santo me chamou através do Evangelho, me iluminou pelos Seus dons, e me santificou e preservou na verdadeira fé; da mesma maneira Ele chama, reúne, ilumina e santifica toda a Igreja cristã da terra, e preserva a sua união com Jesus Cristo na verdadeira fé ..."
Este é o evangelho da SOLA GRATIA! Este é o ensinamento que, aos pecadores sem esperança e incapazes, aos quais Deus não deve nada, e Ele sente piedade e derrama o seu favor de graça. Pecadores que não merecem nada além da ira de Deus, ganham o inestimável privilégio de gozar do seu favor, pois Deus, da bondade do Seu ser, escolheu ser gracioso para com pessoas que só mereciam o Seu julgamento.
O verdadeiro protestantismo tira a sua doutrina da salvação diretamente da Bíblia e assim declara que a salvação é um presente de Deus, espontâneo, imerecido, dado a pessoas indignas, "... a graça de Deus se manifestou salvadora ..."(Tito 2:11), e assim, o verdadeiro Protestantismo declara SOLA GRATIA ao mundo inteiro. O que o homem não pode fazer por si mesmo, Deus já fez por ele através da Sua graça em Cristo Jesus. Se a Igreja do século vinte está negligenciando declarar o Evangelho da SOLA GRATIA, é chegada a hora de um novo protesto! Os protestantes agora, como no século dezesseis, devem insistir que a questão da salvação seja resolvida nas Escrituras, que proclamam que é um presente, não uma recompensa por qualquer esforço humano.
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SOLA FIDE: O Protestantismo afirma que a Bíblia é a única autoridade e que a graça é o único meio de salvação. Isto, no entanto, deixa uma pergunta ainda sem resposta. Como é que uma pessoa pode receber a salvação? Ou, dito de outra maneira, como é que uma pessoa pode estar com deus? Esta foi a pergunta que deixou Lutero perplexo e o levou quase ao desespero.
Lutero não se tornou monge por opção. Enquanto ainda era um jovem estudante, preparando-se para a carreira de advogado, Lutero estava viajando por uma floresta na Alemanha quando de repente caiu uma terrível tempestade. Os trovões estrondavam sobre sua cabeça e os raios atingiam as árvores. O jovem temeu ser consumido por um raio e na sua angústia ele orou. Lutero orou, mas não a Deus; ele implorou a ajuda de santa Ana, a santa padroeira dos mineiros. O pai de Lutero havia trabalhado nas minas, então Lutero se lembrou da infância quando o pai dava instruções que o ensinavam a buscar a ajuda de santa Ana como mediadora para falar com Deus. Ele prometeu a santa Ana que se tornaria um monge se a sua vida viesse a ser poupada. Ele sobreviveu àquele tenebroso temporal, e foi fiel a sua promessa entrando no monastério da ordem Agostiniana em Emfurt. Como ele se tornou um padre, e, enquanto estava no monastério, se dedicou às responsabilidades da vida em comunidade, com um vigor incomum. Passava noites sem dormir, em jejuns e orações. Procurava confessar os seus pecados todos os dias, em sua busca de acertar com Deus.
O padre Johan Stauptz, superior monástico de Lutero, percebeu que este monge era um homem com uma consciência notavelmente sensível. Lutero se sentia tão oprimido com a sensação de pecado e de culpa que ele não podia confessar o suficiente, e finalmente Stauptz disse que Lutero saísse do confessionário e só voltasse quando tivesse realmente pecado para confessar! Lutero estava vasculhando a sua consciência no esforço de conseguir aliviar o terrível peso da culpa e da vergonha, mas a confissão a um padre não o ajudou em nada.
Apesar da Igreja medieval incentivar as pessoas a adotarem uma vida monástica como a melhor forma de ganhar o favor de Deus, a experiência no monastério, no caso de Lutero, não o ensinou a amar a Deus. Lutero mesmo admitiu que se tornou mais alienado e distante do seu Criador ao mesmo tempo em que buscava servir mais fielmente. Como ele mesmo colocou: "Eu... estava sendo atormentado perpetuamente".
Os estudos de Lutero no monastério e na universidade, como também na infância, o ensinaram a considerar Deus como um severo juiz, então ele ficava aterrorizado com a possibilidade de não estar entre os escolhidos de Deus. Ele confessou suas dúvidas ao padre Stauptz, e o sábio conselheiro o incentivou a parar de estudar e meditar na ira de Deus e na Sua justiça, e começar a meditar no amor e misericórdia de Deus. Stauptz mandou Lutero olhar as chagas de Cristo e acreditar que Ele foi crucificado por ele, e assim o monge encontraria a certeza do amor de Deus e do Seu favor. Lutero levou este conselho a sério, mas as dúvidas ainda o atacavam, pois ele não podia livrar-se da imagem de Deus como um juiz irado.
O estudo da Bíblia foi uma das responsabilidades de Lutero como padre e teólogo, mas mesmo este sagrado exercício, a princípio, parecia aumentar o senso de que era um miserável. Quando encontrava a ênfase bíblica da justiça de Deus, Lutero percebia que a justiça perfeita de Deus exige a perfeição do homem. Mas, não importava o seu esforço, pois Lutero não conseguia atingir a retidão exigida pelo Criador; o monge atribulado continuava a afundar em uma miséria mental e espiritual por não conseguir apaziguar a ira de Deus contra quem havia pecado. O Deus justo que Lutero encontrou na Bíblia permanecia na sua mente como um juiz de acusação, cujas leis haviam sido quebradas.
Na universidade de Wittemberg, Martinho Lutero recebeu a responsabilidade de fazer estudos de passagens bíblicas, e, em 1515, dois anos antes de Ter afixado suas 95 teses, ele iniciou uma série de palestras na epístola aos Romanos. Neste grande tratado de Paulo, Lutero descobriu o coração do Evangelho no capítulo 1, versos 16 e 17: "Pois não me envergonho do Evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no Evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé".
A retidão que Lutero precisava, mas que não tinha poder de produzir, ele encontrou no evangelho de Cristo. Ele descobriu que é uma retidão que vem de Deus! A retidão que Deus exige, é a retidão que Ele mesmo fornece, através da fé no Seu Filho. Aí está o coração da fé cristã - o homem pecador é justificado, isto é, obtém uma vida reta diante de Deus, SOLA FIDE, através da fé somente.
Quando Lutero fez a descoberta da justificação através unicamente da é, ele exclamou: "Eu senti que havia realmente nascido novamente e que havia entrado no próprio paraíso através dos portões abertos. Ali uma face totalmente diferente das Escrituras tornou-se clara para mim".
Sim, um milagre havia acontecido no coração e na alma de Martinho Lutero. Enquanto ele estudava a palavra de Deus, o Espírito de Deus lhe concedeu a vida espiritual, o regenerou e lhe deu a fé para crer e compreender a justificação, a retidão que ele necessitava tão desesperadamente; havia-lhe sido dada pelo Filho de Deus. O Protestantismo proclama que a fé, somente a fé justifica o pecador, isto é, o declara justificado diante de Deus.
O catecismo de Heidelberg é uma das grandes declarações da Reforma Protestante, e a sua definição de fé salvadora é especialmente pertinente: "A verdadeira fé não é meramente o conhecimento de que eu declaro saber ser a verdade tudo o que Deus revelou através da Bíblia, mas também é a firme confiança de que o Espírito Santo trabalha no meu coração pelo Evangelho; que não só para os outros, mas para mim também, a remissão dos pecados, a justificação eterna e a salvação são gratuitamente dadas por Deus meramente pela graça, só pelo méritos de Jesus Cristo".
Aí está! O pecador, sem qualquer mérito próprio apresenta diante de Deus os perfeitos méritos de Jesus Cristo que é a suprema benevolência do céu descendo para alcançar os pecadores que não podem alcançar a deus,. Como Jesus colocou isso: "Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido"(Lc. 19:10). Ele veio buscar homens que, por natureza, jamais O buscariam. Ele amava tanto os pecadores perdidos que Ele os perseguia ao fugirem dEle, alcançou-os durante a fuga, e pelo toque suave da sua graça os transformou e guiou para o céu. Paulo descreve essa salvação de forma belíssima: "Quando, porém, se manifestar a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o Seu amor para com todos os homens não por obra de justiça praticada por nós, mas segundo a Sua misericórdia Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente por meio de Jesus Cristo nosso Salvador"(Tt. 3:4-6).
Martinho Lutero sabia que havia recebido o presente preciosos de Deus, a fé justificadora em Jesus Cristo. E quanto a nós? Ao considerarmos os três grandes princípios do Protestantismo cremos na Bíblia? Estamos firmados na SOLA SCRIPTURA, só na Palavra de Deus? Temos abandonado todos os esforços de nos salvar por nós mesmos? Podemos nós apresentar-nos diante de Deus salvos por Cristo, SOLA GRATIA? Já confessamos os nossos pecados e sabemos da nossa condição de pecadores perdidos? Sentimo-nos sem esperança e incapazes como Lutero? Cremos que, pela fé, Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou? Se respondemos afirmativamente, nós também nascemos de novo; nós também, encontramos os portões abertos do paraíso; nós também, temos recebido a justificação que vem de Deus, que é "do primeiro ao último através da fé", pois nós "que através da fé fomos justificados, viveremos!".
Na última década deste século, mais de quinhentos anos depois do nascimento de Lutero em 1483, a Igreja contemporânea deve proclamar o Evangelho de SOLA FIDE. Se a Igreja da nossa geração não estiver fazendo isto, chegou a hora, novamente, de protestar! Vamos transformar a nossa Igreja em realmente Protestante novamente. Vamos testemunhar de Cristo e pela Palavra de Deus. Vamos protestar contra os desígnios humanos e as falsas tradições. Nós precisamos de um reavivamento do genuíno testemunho Protestante, pois estes princípios estão sendo descartados, apesar de virem da Bíblia e terem sido escritos com sangue dos mártires.
Vamos protestar, antes que o verdadeiro Protestantismo se perca por omissão e negligência. Aqui está a fé dos nossos pais, a fé pela qual viveram e pela qual morreram. Esta é a fé que permitiu que Lutero ficasse de pé diante da igreja e do império e declarar: "A minha consciência está presa à Palavra de Deus". Esta é a fé que sustentou o mártir protestante inglês Thomas Cranmer, arcebispo de Cantebury, que morreu queimado durante o reinado de Maria a Sangüinária. Que em momento anterior de fraqueza, havia negado a sua fé para salvar a sua vida, mais que recuperou a sua coragem e pagou o preço pela lealdade ao Senhor. Quando o fogo foi colocado aos seus pés, Thomas Cranmer colocou sua mão direita dentro das chamas e clamou: "Porque a minha mão ofendeu ao escrever o contrário do que dizia meu coração, ela será queimada primeiro".
Como Lutero, Cranmer e outros mártires creram nos três princípios do Protestantismo e sabiam que não podiam negá-los sem negar o próprio Jesus Cristo. Que Deus nos dê coragem de viver pela mesma fé e de morrer nela.
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"Eterno Deus e Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo, dá-nos o Teu Espírito Santo que escreve a Palavra pregada em nossos corações. Que nós possamos receber e crer no Teu Espírito para sermos regozijados e confortados por Ele na eternidade. Glorifica a Tua palavra em nossos corações e faz com que ela seja tão brilhante e quente que nós possamos achar prazer nela, através do Teu Espírito Santo, pensar o que é certo, e pelo Teu poder cumprir a Tua Palavra por amor de Jesus Cristo, Teu Filho, Nosso Senhor. Amém!"(Martinho Lutero).
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Pr. James E. McGoldrick